CRÍTICA | Nimona

Direção: Nick Bruno e Troy Quane
Roteiro: Robert L. Baird, Lloyd Taylor e Pamela Ribon
Elenco: Chloë Grace Moretz, Riz Ahmed, Eugene Lee Yang, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2023

A produção de Nimona percorreu uma jornada das mesmas proporções que sua própria narrativa até alçar a luz do dia pelas mãos da Netflix. O filme foi anunciado em 2015 pela Blue Sky, posteriormente recebendo uma previsão de lançamento para 2020 e sendo afinal cancelado após a aquisição da Fox pela Disney. Ao ser resgatado, Nimona pode mostrar para o mundo esta adaptação cinematográfica de uma webcomic escrita por ND Stevenson, mesma pessoa responsável pelo reboot de She-Ra.

Trata-se da aventura de Ballister Blackheart (Riz Ahmed), cavaleiro da Instituição - um reino que mescla de maneira inventiva e instigante elementos cyberpunk e medievais - para provar sua inocência. Em uma situação armada, ele é enquadrado como assassino da rainha e tem de fugir, mas não sem antes ter um braço decepado por Ambrosius Goldenloin (Eugene Lee Yang), líder dentre os cavaleiros, descendente da heroína fundadora da Instituição e amante de Ballister. Foragido, Ballister é forçado a aceitar a ajuda de uma estranha menina chamada Nimona (Chloë Grace Moretz) e seus poderes de metamorfose.

Embora o detonador da história, este atentado misterioso, funcione bem, é na dinâmica caótica entre Ballister e Nimona que a obra constrói seu charme. Ballister precisou se condicionar por toda sua vida à códigos de honra e trabalho para honrar a inédita ingressão de um plebeu ao fronte dos cavaleiros, o que o torna um sujeito rígido e íntegro. Esses atributos entram em conflito direto com a natureza intempestiva e rebelde de Nimona. A criatividade dela, aliada ao seu poder de assumir inúmeras formas de animais, conduz cenas de ação bem inusitadas enquanto mescla elementos 3D e 2D em uma animação repleta de frescor.

Annapurna Animation/Netflix

Há o princípio de um debate por parte da Nimona sobre como discriminação é institucionalizada pelo controle da história e como a narrativa oficializada pelo poder político serve de instrumento para manter os cidadãos dentro de seus muros. Infelizmente, a pressa da narrativa em ir sempre até a próxima sequência de ação não dá espaço para se encantar com a arte daquele mundo, como aquela estética comunica com os valores da história. Alguns personagens e mistérios também ficam comprometidos em função dessa aceleração, como Ambrosius, que tem apenas um breve momento em que sua personalidade expande para a tela, revelando o quanto de sua compostura é um comportamento adotado para manter as aparências e suprimir seu coração. O relacionamento escondido entre Ballister e Ambrosius não só traz representatividade de um casal LGBTQIA+ numa animação de amplo público, como conecta com os tópicos tratados da história e espelha o medo e a coragem dos dois.

O arco do mistério também não surpreende, mas interessa mais pelo que tem a dizer do que pelo quanto te deixa em dúvida. Talvez o espectador chegue rápido à conclusão sobre o antagonismo final, mas é o preconceito e a paranoia embutida na motivação desse antagonista que interessam ao debate da obra, pois tanto Ballister quanto Nimona passaram suas vidas sendo alvos de uma percepção enviesada sobre eles. Enquanto o primeiro se moldou para aquele mundo, a segunda combateu o ódio disparado contra ela. Não é que nenhum dos personagens esteja certo e errado em suas estratégias, contudo a sociedade ao redor que se ergueu em torno desta divisão de castas não está interessada em ver ruir suas estruturas, disposta a métodos sórdidos para sua manutenção. Novamente, o frenesi limita esses desenvolvimentos e torna o arco final um enfrentamento mais contra um único indivíduo do que contra a classe e a Instituição, o que enfraquece um pouco os temas.

Annapurna Animation/Netflix

Enquanto violência e razão são postos como distintas soluções pelos protagonistas, é no carinho que um vai nutrir pelo outro e na identificação do que há de semelhante entre tão diferentes, que o coração do filme pulsa. É onde se pode, escondido de um mundo cheio de rejeição, acolher e ser acolhido. É muito satisfatório que Nimona tenha encontrado sua janela para o mundo, pois é uma história contada com este coração batendo cheio de honestidade.

Bom


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