CRÍTICA | Anos 90


Direção: Jonah Hill
Roteiro: Jonah Hill
Elenco: Sunny Suljic, Katherine Waterston, Lucas Hedges, Na-kel Smith, Olan Prenatt, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2018


Dirigir um filme de época, cujo enredo seja atemporal e sirva para retratar os valores e conflitos vividos pelos jovens de hoje em dia não é tarefa fácil. Jonah Hill (O Lobo de Wall Street), jovem ator e estreante na direção, se mostra bem sucedido nessa empreitada, apresentando ao público uma obra de trama simples, mas envolvente e bem estruturada, recheada de personagens impactantes. Anos 90 (Mid90s) não se prende à nostalgia, mas entrega a essência da década representada, com jovens que usavam da rebeldia como busca por um lugar melhor no mundo. 

A narrativa acompanha o jovem Stevie (Sunny Suljic), um garoto de 13 anos nada confortável com o ambiente em que vive. Sua mãe, Dabney (Katherine Waterston), é distante do filho e seu irmão, Ian (Lucas Hedges) é violento e está sempre em pé de guerra com o menino. Sentindo-se em uma prisão e disposto a se libertar, o jovem resolve sair de casa e conhece um grupo de jovens skatistas de rua de Los Angeles e, a partir daí, passa a viver situações que serão determinantes em seu aprendizado e na formação de seu caráter.

Inicialmente notamos um protagonista inseguro de suas ações, mas que ao longo da projeção encontra certa identificação com um grupo formado por jovens de perfis diversos. Do mais linha dura, Ruben (Gio Galicia), até o intelectual, como “Fourth Grade” (Ryder McLaughlin), que chega a registrar com sua câmera diversos momentos de descontração do grupo em festas ou em treinos de manobras de skate. Ali é construída uma espécie de irmandade, que se sustenta durante toda a narrativa. Stevie busca a aprovação do grupo a todo custo, mas ações retratadas, especialmente os maus exemplos, nunca são romantizadas, e isso é um ponto positivo da obra.

Foto: Diamond Films

A prática do skate, vista com preconceito nos anos 90 e início do século XXI, apontada como esporte de marginalizados e problemáticos, é mostrada no filme de maneira didática, como uma prática inclusiva, capaz de unir pessoas e trazer sensação de bem-estar em um meio social repleto de dificuldades de ordem econômica e ideológica, como nos dias atuais. O esporte é encarado pelos personagens não apenas como uma válvula de escape, mas como a razão de viver de todos ali. Um fator importantíssimo na evolução do protagonista, que se torna alguém mais seguro, com personalidade e objetivos bem definidos.

Os personagens secundários têm papel determinante na jornada de construção de personalidade de Stevie, com destaque para Ray (Na-kel Smith), líder do grupo, que não só relata seu drama pessoal, mas também apresenta alternativas para seu futuro e o de seus companheiros, tentando incentivá-lo e a seus colegas a comprarem sua ideia, pensando em um futuro melhor, que não seja o das drogas, bebidas e curtição.

Sunny Suljic (O Sacrifício do Cervo Sagrado) tem uma atuação segura e de alta carga dramática, vivendo um protagonista difícil e de momento delicado, muito em função dos maus tratos sofridos e do sentimento de incompreensão que é comum no início de adolescência, uma fase de descobertas e de dificuldades em se lidar com problemas. Lucas Hedges (Três Anúncios Para um Crime) e Katherine Waterston (Animais Fantástico: Os Crimes de Grindelwald), os nomes mais conhecidos do elenco, têm pouco tempo em tela, mas se mostram figuras provocativas e decisivas no destino de Stevie. Se em algum momento o garoto os via com admiração, mais tarde passa a encará-los como incômodos, libertando-se de suas amarras.

Foto: Diamond Films

A estética de Anos 90 apresenta imagens analógicas, o tradicional formato quadrado de projeção, com textura mais granulada. As referências à década são bem claras, com os pôsteres de bandas na parede do quarto de Ian, quadrinhos, o culto aos CD's, a ascensão do videogame no cotidiano, além do popular aluguel de filmes em fitas VHS nas locadoras de bairro. Neste ponto, a trilha sonora também exerce papel fundamental, com músicas como "Kiss From a Rose”, de Seal.

De baixo orçamento evidente, o trabalho de estreia de Jonah Hill como cineasta cativa o público ao retratar uma geração composta por entusiastas, dispostos a mudar seu lugar no mundo através do que acreditam. No caso, o esporte, o skate, uma modalidade universal e que não vê classe social. Um filme sobre uma geração passada, mas que conversa diretamente com a contemporaneidade.

Ótimo

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