CRÍTICA | Maria e João: O Conto das Bruxas

Direção: Oz Perkins
Roteiro: Rob Hayes
Elenco: Sophia Lillis, Samuel Leakey, Charles Babalola, Alice Krige, entre outros
Origem: Canadá/Irlanda/EUA/África do Sul
Ano: 2020


João e Maria, dos irmãos Grimm, é um dos contos de fadas mais populares de todos os tempos, adaptado diversas vezes, tanto para a televisão quanto par ao cinema. Algumas delas propunham uma reimaginação do clássico, como João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), e porque não, Maria e João: O Conto das Bruxas (Gretel & Hansel), que promete trazer uma outra perspectiva para o conto.

Escrito por Rob Hayes (Chewing Gum) e dirigido por Oz Perkins (A Enviada do Mal) – filho de Anthony Perkins (Psicose) –, a nova versão tenta repaginar a fábula, conferindo a ela um aspecto mais sombrio e perturbador, priorizando a atmosfera ao invés da narrativa tradicional, algo que não é surpresa no trabalho de Perkins, que já havia feito isso em longas como O Último Capítulo (2016). Além disso, o texto inverte valores, apresentando um protagonismo maior para Maria.

A trama apresenta Maria (Sophia Lillis) como a irmã mais velha que, para cuidar de João (Samuel Leaky), durante um período de escassez e após serem expulsos de casa, decide desbravar a floresta com ele em busca de comida. Eles encontram Holda (Alice Krige), uma senhora peculiar que vive solitária, em uma casa cheia de confortos e alimentos em meio ao isolamento das árvores.

Foto: Imagem Filmes

O enfoque do roteiro é sobre uma jovem garota lutando com sua crescente feminilidade e se descobrindo. Assim, a escolha de Sophia Lillis (It: A Coisa) como a protagonista foi mais que acertada, já que trata-se de uma jovem atriz em ascensão, com a experiência de já ter trabalhado em obras sobre amadurecimento e descobrimento da feminilidade. Outro paralelo interessante pode ser feito em relação ao filme A Bruxa (2015), como comparação ao horror íntimo que Robert Eggers (O Farol) e Perkins propõem, mas principalmente no desenvolvimento de suas protagonistas femininas e suas descobertas.

Para engrandecer e emancipar Maria, foi decidido dar a João um papel mais coadjuvante, ele é uma criança curiosa e mais dependente da irmã, porém o ato final da obra revela um importante desfecho para o personagem. Holda, a senhora peculiar interpretada por Alice Krige (O Aprendiz de Feiticeiro), faz um bom trabalho em despertar a desconfiança das crianças e atiçar a curiosidade por causa de sua excentricidade (que, aliás, é reforçada pelo belo trabalho de maquiagem). Ela também tem papel fundamental no desenvolvimento da protagonista.

Perkins decidiu conduzir o longa de maneira similar a um conto, o que é uma escolha interessante, mas que ao mesmo tempo pode jogar contra ele. A história de João e Maria já é relativamente simples, então, nesse filme é mantido esse formato relativo, com uma duração curta de 1 hora e 27 minutos, porém, com uma nova perspectiva, apresentando novos subtextos. Assim, surge um fator que pode incomodar muitas pessoas: ao mesmo tempo que apresenta camadas interessantes sobre a personalidade de Maria, o filme é breve e sucinto, sem a desenvolver por completo. Muita coisa acaba subentendida, ou seja, quem procura respostas óbvias pode se desapontar.

Visualmente, o filme é um show à parte, com toques do cinema de Alejandro Jodorowsky (Poesia Sem Fim) e David Lynch (O Homem Elefante). A cinematografia de Galo Olivares (Roma) é deslumbrante, um dos grandes destaques do filme ao lado do impecável design de produção de Jeremy Reed (Menina Má.Com). Temos enquadramentos precisos como pinturas, com cada cena distinguida pela iluminação inteligente e pela colocação dos personagens em relação ao cenário. Isso tudo traz uma visão perturbadora e sombria, ainda que se mantenha vívida pela presença dos personagens.

Foto: Imagem Filmes

As sequências em florestas, com narração e montagem em forma de sonho remetem ao trabalho de Terrence Malick (De Canção em Canção), com seus filmes introspectivos. Há uma conexão entre humanidade e natureza para reforçar a ideia de isolamento. Os detalhes da casa de Holda, com desorientadores planos internos, em conjunto com a nebulosidade externa criam uma estética encantadora e aterradora. Aqui também temos uma fascinante trilha em sintetizador de Robin Coudert (Vingança) que une tudo isso.

Oz Perkins traz para o conto João e Maria uma abordagem fundamental sobre feminismo e emancipação das mulheres, apostando em novas – e necessárias – direções para o clássico, mas sem perder a essência do material de origem. Aliado a isso, Maria e João: O Conto das Bruxas dá ênfase na atmosfera, com estilização exuberante, e no humor, deixando de lado os sustos fáceis e uma narrativa mais convencional. Sem dúvidas, uma adaptação que merece ser conferida.

Bom

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