CRÍTICA | O Castelo no Céu

Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Elenco: Mayumi Tanaka, James Van Der Beek, Keiko Yokozawa, entre outros
Origem: Japão
Ano: 1986


Duas tendências principais solidificam o imaginário coletivo sobre um filme do japonês Studio Ghibli: os seus ventos bucólicos de uma natureza profundamente presente mesmo que mesclada com design steampunk; e suas protagonistas femininas fortes e corajosas. Muitas vezes jovens, mas nem sempre (O Castelo Animado, 2004); muitas vezes piedosas, mas nem sempre (Princesa Mononoke, 1997). Quando se tratando de obras do criador do estúdio e uma das figuras mais emblemáticas da história da animação japonesa, Hayao Miyazaki (O Serviço de Entregas da Kiki), todas essas características são elevadas ao máximo, além de ser possível identificar uma terceira constante, talvez a mais importante: as narrativas anti-bélicas.

Tendo experimentando os terrores de um cenário pós-guerra e da bomba atômica, o Japão jamais seria o mesmo, tampouco seria sua indústria, sua filosofia e seus artistas. A pauta da preservação da natureza também se mescla com esse trauma, tendo aflorado grandes metáforas como o Godzilla para confrontar o horror de uma força destrutiva maior que a humanidade e ainda assim resultante da mesma. Já em Nausicaä do Vale do Vento (1984) acompanhamos uma tenaz garota viajando em uma terra devastada tentando impedir um combate armado entre dois povos. A dureza com que é encarada essa dualidade entre a guerra e paz o consagrou como diretor e lhe proporcionou a estima e capital para iniciar seu estúdio de animação com vários companheiros.

Foto: Studio Ghibli

É então que chegamos em O Castelo no Céu (Tenkû no shiro Rapyuta), de 1986, a primeira animação oficialmente com a assinatura do estúdio. A obra bebe de uma fonte muito semelhante a Nausicaä, mas alavancada por mais otimismo e uma atmosfera leve que reduz a gravidade de tudo ao redor da exibição. Quando os personagens flutuam e se mantêm equilibrados em arquiteturas improváveis ou pendurados no céu por frágeis ramos, não perturba a nossa imaginação, pois os ares daquele mundo já convenceram o espectador de que isso é possível. 

Apesar de vários outros filmes de Miyazaki terem uma contraparte masculina para sua protagonista (nem sempre num espírito romântico), aqui o protagonismo é dividido com ânimo pelo par de órfãos Pazu (Mayumi Tanaka), um minerador; e Sheeta (Keiko Yokozawa), descendente de uma cidade antiga flutuante chamada Laputa. Como ela porta o artefato que abre o caminho para esta ancestralidade perdida nas nuvens, se torna alvo de piratas e de exércitos. Enquanto os militares têm intenções no poder de fogo disponível na tecnologia perdida de Laputa, os piratas só estão interessados mesmo no tesouro.

Essa diferença torna logo os ladrões coadjuvantes charmosos liderados pela matriarca Dola (Kotoe Hatsui), uma mulher idosa que pilota com destreza maquinarias aéreas. A pluralidade de design já é um charme que torna a personagem cativante e se repete em diversas obras do estúdio, mas ganha ainda mais poder na pureza com o qual é observado o sentimento de coletividade e colaboração entre as pessoas para proteger algo. Mesmo protagonizado por crianças, os filmes de Miyazaki jamais são inocentes por complacência, mas sim por alcançar a forma bruta de muitos sentimentos com seus recursos fantásticos e heroínas destemidas.

Foto: Studio Ghibli

Mesmo diante de robôs com alto poder de destruição, é o afeto que Sheeta consegue ver neles que faz a diferença. Escapando de todas as armadilhas fáceis nessas conversas o filme nunca vilaniza a tecnologia. Todas as engenhocas retrô na obra são desenhadas com carinho e detalhes riquíssimos até em sua mixagem de som. Laputa é um reino próspero esquecido, mas também é uma arma, dependendo de quem esteja em seu trono. Para um lugar assim, é preferível que flutue até para além da órbita terrestre.

O Castelo no Céu é uma demonstração clara e gratificante de tudo de melhor que Hayao Miyazaki e o Studio Ghibli já ofereceram para o mundo do cinema. Sua pureza nunca é abobalhada, mesmos seus antagonistas não são monstruosidades, mas circunstâncias. É um filme lindo, uma produção articulada, mas, antes de tudo, uma obra bondosa. Transpira carinho e cuidado em sua trilha, em sua animação esvoaçante, em seus personagens. Não a toa, apesar de se comunicar com questões muito japonesas, o estúdio conseguiu atravessar todas as limitações e se tornar uma mitologia capaz de alcançar corações de todo o planeta.

Ótimo

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