CRÍTICA | Clube da Luta

Direção: David Fincher
Roteiro: Jim Uhls
Elenco: Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter, Jared Leto, entre outros
Origem: EUA / Alemanha
Ano: 1999


“A primeira regra do Clube da Luta é que você não fala sobre o Clube da Luta.”

Desrespeitando a principal regra de Clube da Luta (Fight Club), venho falar sobre um dos melhores e mais influentes filmes dos anos 1990. Na época, foi um fracasso de bilheteria e gerou reações mistas da crítica. Só com o lançamento em home video é que se estabeleceu como cult. Lançado em 1999, figura na lista de obras da transição para os anos 2000 que falavam sobre libertação individual e criticavam a sociedade, como Matrix (1999), Beleza Americana (1999), entre outros.

O enredo acompanha o narrador – creditado assim, mas alternando nomes como Jack, Cornellius e Lenny – vivido por Edward Norton (A Última Noite), que sofre de insônia e participa de grupos de apoio de todos os tipos como uma forma de "experimentar" algum sentimento verdadeiro dentro de sua existência insensível voltada para o materialismo. Em uma viagem de negócios, ele conhece Tyler Durden (Brad Pitt), que o mostra uma nova visão sobre a sociedade e o encoraja a formar o Clube da Luta como um alívio para suas tendências agressivas.

“A visão do homem agora cansa - o que é hoje o niilismo, se não isto? Estamos cansados do homem...”
Friedrich Nietzsche 

Niilismo é uma doutrina filosófica que considera que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência. É nesse pensamento que se apoia o livro de Chuck Palahniuk e, consequentemente, a adaptação para as telas de David Fincher (Vidas em Jogo).

Clube da Luta se trata de uma crítica ácida à sociedade capitalista e, principalmente, ao modo de vida consumista e vazio que as pessoas acabam levando e que corrói suas almas. O roteirista Jim Uhls (Jumper) adapta perfeitamente a essência presente na obra de Palahniuk.

20th Century Studios

Fincher é um dos melhores diretores da sua geração, e não seria possível uma adaptação tão fiel sem sua condução. Conhecido por adequar a linguagem de seus filmes perfeitamente com a temática e conteúdo dos roteiros, temos aqui uma narrativa caótica em função da sociedade capitalista e da mente conturbada do protagonista.

Nesse ponto, a cinematografia de Jeff Cronenweth (Garota Exemplar) é quase um personagem a parte, composta por uma atmosfera sombria e cinza (densa), representa a insônia do personagem principal. Então, como uma ligação negativa relacionada ao consumismo, temos um cenário pesado e violento, que se relaciona com o Clube da Luta e o Projeto Caos. Contribui para isso o fato do longa se passar na maioria do tempo a noite: “Quando se tem insônia você nunca dorme de verdade e você nunca acorda de verdade”. É como se todos os dias fossem noite, sombrias.

Para corroborar com a linguagem única da obra, temos a montagem de James Haygood (O Quarto do Pânico), que incorpora muitas informações e um ritmo dinâmico, conferindo caos e psicopatia à narrativa. Assim, a trilha sonora industrial/synthpop composta pelos Dust Brothers também soa fundamental, casando todos os elementos citados em uma espécie de distopia cyberpunk.

O narrador se depara com dois personagens que vão mudar sua vida: Marla Singer (Helena Bonham Carter) e Tyler. Marla assim como ele, não tem doença nenhuma, mas vai aos grupos de apoio buscar ajuda. Esse confronto com a verdade de uma pessoa com seu mesmo propósito, faz com que a insônia no protagonista volte. Posteriormente, ambos se relacionam amorosamente, já que sem ambos terem um propósito na vida, acabam renovando um ao outro, construindo uma nova personalidade.

Ao conhecer Tyler, o narrador se depara com uma personalidade oposta à dele: despojado e com críticas muito fortes ao sistema. A fundação do Clube da Luta serviria como uma espécie de libertação individual para o protagonista, que acaba ganhando proporções maiores na fundação de uma espécie de movimento revolucionário - o "Projeto Caos" - que pretende uma revolução anárquica para destruir todo o sistema econômico e, consequentemente, o capitalismo.

Os três atores principais dão um show ao sustentar a trama com personagens ricos e bem construídos. Norton expressando o cansaço da vida vazia do narrador, e como ele está perdido dentro dele mesmo. Helena Bonham Carter (Oito Mulheres e um Segredo) uma uma mulher sem perspectiva de vida e com desejo da morte, que acaba ganhando um propósito. Brad Pitt (Seven: Os Sete Crimes Capitais), por sua vez, rouba a cena ao encarnar essa persona provocativa e transgressora, transitando entre a sedução e o ideal anárquico.

20th Century Studios

 Atenção! A partir daqui haverá spoilers, com análises do desfecho do filme. 

“É apenas depois de perder tudo que somos livres para fazer qualquer coisa.”

Perto da conclusão é revelado que Tyler Durden e o narrador são a mesma pessoa. Uma explicação que casa perfeitamente com os elementos desenvolvidos pelo roteiro, que deixou pistas ao espectador ao longo de todo o longa. Uma crítica sobre como o indivíduo acaba tão absorvido pelo sistema, que se torna impossível enxergar além dele. Tyler então surge para dar liberdade à personalidade do narrador, que se vê em conflito constante com sua criação, quando, na verdade, está lutando contra tudo o que odiava em sua vida.

É como disse Fincher em alguma entrevista aleatória: "Nós estamos destinados a ser os caçadores e estamos em uma sociedade de compras. Não há nada mais para matar, não há nada para lutar, nada para vencer, nada para explorar”. É dentro desse contexto de castração social que o protagonista é gerado.

No ato final, faltando 60 segundos para a explosão dos prédios, o protagonista dá um tiro com uma pistola em sua própria cabeça, como uma representação de que ele acabou de vez com Tyler. Já na última cena, o narrador e Marla, de mãos dadas, olham pelas janelas do prédio a explosão e consequente desmoronamento de vários prédios, enquanto ouvimos a canção "Where’s my mind?", da banda Pixies. Dentre eles as torres gêmeas do Wolrd Trade Center, talvez o maior símbolo capitalista norte-americano até ali. O anarquismo já mencionado encontra nesse momento seu clímax, o ápice da “luta” contra o consumismo tão criticado. Os dois ali, contemplando a destruição, pode ser interpretado como o vislumbre de uma nova sociedade, bem como a emancipação conquistada pelos personagens.

Clube da Luta se torna então uma das obras mais relevantes e influentes do cinema atual. Uma reflexão crítica e ácida sobre a sociedade de consumo na qual vivemos e os efeitos que ela provoca nos indivíduos. Assim como acontece no livro, David Fincher torna seu longa transgressor e provocativo, com uma linguagem única e atraente, que convida o espectador a refletir sobre como nossa sociedade está se tornando cada vez mais opressora e vazia. O soco no estômago que todos precisamos levar.

Excelente


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