CRÍTICA | Não! Não Olhe!

Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Brandon Perea, Keith David, entre outros
Origem: EUA/Japão
Ano: 2022

Quando falamos de suspense e terror psicológico, Jordan Peele pode facilmente ser considerado como uma das referências do gênero no momento. Após Corra! (2017), vencedor do Oscar de melhor roteiro original; e Nós (2019), o diretor e roteirista apresenta seu terceiro longa-metragem, um sci-fi diferenciado, que brinca com o bizarro, numa espécie de revisitação moderna ao western.

Não! Não Olhe! (Nope) talvez seja o filme mais "fora da caixinha" de Peele. É uma trama que te incomoda, te desafia e te faz sair do cinema questionando por horas o que acabou de assistir, ao mesmo tempo que não deixa exatamente que você chegue a alguma conclusão. Mistura faroeste com horror e ficção científica, brincando com as possibilidades narrativas desses gêneros e bebendo da fonte de obras como Sinais (2002) e Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977).

A obra funciona perfeitamente como um longa de espetáculo, fazendo a trama girar em torno dos Haywood, uma família negra pioneira em adestramento de cavalos para Hollywood. Após a morte inusitada de seu pai (Keith David), os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) tomam conta do rancho com objetivo de seguir os negócios. OJ luta para manter as coisas à tona por meio de negociações com o showman local, o mercenário Ricky “Jupe” Park (Steven Yeun), uma ex-estrela mirim que fazia parte de um programa de televisão, cancelado após um trágico acidente envolvendo um primata. Já Emerald está de olho em 15 minutos de fama, buscando isso a qualquer custo.

Universal Pictures

Em uma noite, os irmãos presenciam eventos estranhos de um suposto “monstro” que assombra a região. Com a esperança de lucrar em cima disso, ambos buscam tentar filmar com precisão os acontecimentos, e acabam conhecendo Angel (Brandon Perea), um funcionário da loja de eletrônicos que se interessa em ajudá-los a capturar as imagens. Assim, Não! Não Olhe! discute o sensacionalismo de tragédias e atrocidades para se obter ganhos.

Desde suas obras anteriores, Peele usa o terror e o suspense como alegorias para discutir temas como invisibilidade social e racismo. Aqui a crítica principal é sobre a espetacularização do entretenimento, e o consequente apagamento de seus bastidores, transformando-o nesse grande monstro que devora não só nossa atenção, mas também as pessoas, que preferem capturar uma imagem para lucrar em cima do que salvarem suas vidas.

Dessa forma, podemos entender que a motivação dos irmãos protagonistas não é sobreviver, mas sim colocar seu nome de vez no mundo do entretenimento. Isso fica claro desde a origem da dupla, sendo bisnetos do jóquei que permitiu a primeira animação do cinema. Peele nos traz a ideia do cowboy negro, que já é tão esquecido, e fala sobre a importância da história da raça na participação da construção da própria Hollywood. A escolha dessa história de fundo é muito significativa, pois no fim das contas, o que o diretor critica é justamente o apagamento desses profissionais que não conhecemos.

O cineasta busca nos fazer entender como é o papel das minorias dentro dessa lógica de espetacularização. Não por acaso, os protagonistas são dois negros que contam com a ajuda de um rapaz latino e fazem negócio com um empreendedor asiático. O único branco na história é um renomado diretor de cinema, Antlers Holst (Michael Wincott), que claramente já chegou ao topo da montanha que os outros nunca vão alcançar, mas ainda quer mais e não se incomoda com a exploração da natureza animal pra chegar onde quer.

Inclusive, outra crítica presente no longa-metragem é sobre o uso e abuso de animais para o entretenimento, trazendo o simbolismo do cavalo. A história de Jupe faz uma brilhante ligação com esse tema, evidente pelo parque temático construído por ele para fazer suas apresentações com cavalos como uma experiência.

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Não! Não Olhe! é o filme menos óbvio do diretor. Você pode enxerga-lo apenas como uma história de alienígena com uma família lutando para sobreviver, mas a trama deixa algumas pontas soltas que causam incômodo. O problema é que a obra é mais intrigante do que deveria. Falta algum diálogo ou explicação maior para deixar tudo um pouco mais claro. É um quebra-cabeça em que as peças não parecem fazer muito sentido e que, apesar de trazer possíveis discussões sobre os temas que aborda, deixa muitas pontas em aberto, fazendo o público buscar informações após a exibição ou até mesmo revê-lo para entender melhor a história, o que pode acabar frustrando quem gostaria de assistir uma obra mais "fechada" e de mensagem mais direta, como ocorreu nas produções anteriores do cineasta.

A escolha de elenco, por outro lado, foi acertadíssima. Daniel Kaluuya (Pantera Negra) retoma a parceria com Jordan Peele e entrega o que já é esperado de um ator do seu nível. Sempre muito contido, mas conseguindo ir de 8 a 80 com facilidade, expressando muito bem esse incômodo constante que dá o tom da trama. Já Keke Palmer (Lightyear) se destaca pelo tempo cômico perfeito, entragando sua personagem de forma tão natural e espontânea que é muito fácil se apaixonar, ainda mais com o ótimo contraste e entrosamento com Kaluuya.

No fim das contas, Não, Não Olhe! é um bom filme para quem gosta de boas interpretações, uma comédia refinada, alguns momentos de suspense e uma experiência cinematográfica para ser vista nas telonas, porém, seu desenvolvimento acaba não fisgando o espectador por completo. Peele não consegue igualar a excelência de Corra!, no entanto, entrega uma ficção diferenciada que usa de uma temática popular e a transforma em algo imprevisível.

Bom


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