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Postado por
Daniel Oliveira
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O fenômeno "Barbenheimer” é um dos eventos cinematográficos mais marcantes dos últimos anos. Estou falando da "competição amigável" que dominou a internet nas últimas semanas devido à estreia no mesmo dia de dois filmes muito esperados: Barbie e Oppenheimer. O que tem sido ótimo para a indústria, trazendo os espectadores de volta às salas de cinema e fazendo de ambos as maiores pré-vendas de ingressos no Brasil de 2023.
Conhecido por seus plots complexos que desafiam o conceito de tempo, Oppenheimer é uma experiência típica de Christopher Nolan (Tenet), apresentando uma figura histórica controversa de forma tecnicamente desafiadora. Além de dirigir, o cineasta também assina o roteiro da obra, uma adaptação do livro "American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer", de Kai Bird e Martin J. Sherwin, que venceu o Prêmio Pulitzer. O que temos aqui é um estudo de personagem sobre o “pai” da primeira bomba atômica, porém, ainda que tecnicamente primoroso, é um filme problemático em muitos sentidos.
O cientista J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) era uma personalidade complexa. Ajudou a criar uma arma de destruição em massa que foi usada contra civis para ajudar os Estados Unidos a vencer o conflito contra o Japão na Segunda Guerra, mesmo sendo alguém com convicções políticas de esquerda. Acompanhamos um personagem que nunca deixa claro em que realmente acredita ou o que o motiva. Essa confusão a respeito do protagonista é um dos pontos principais da trama e, certamente, um desafio ao contar tal história.
Muito dessa confusão também vem do fato da narrativa ser contada de forma não-linear, em 3 linhas temporais diferentes, semelhante ao que vimos em Dunkirk (2017). No entanto, através de elementos do roteiro, montagem, fotografia e design de produção, ao longo dos minutos, fica clara a ordem em que as coisas estão acontecendo.
Outro aspecto interessante é a escolha por cenas em cores, ao retratar um olhar subjetivo sob o ponto de vista de Oppenheimer, em contraponto a cenas objetivas em preto e branco. Uma escolha estética e narrativa, que ajuda a dar dinamismo a uma produção de 3 horas de duração calcada principalmente em diálogos. Tais escolhas não impedem, no entanto, que Oppenheimer seja um longa introspectivo e, por vezes, cansativo. Seu terceiro ato perde ritmo e deixa a trama arrastada, passando a sensação de que poderia ser reduzida na sala de montagem.
Nolan sabe os sentimentos que quer despertar no espectador e, para isso, utiliza muito bem os recursos do IMAX, firme em seu apego à realidade e a utilização mínima de tecnologia digital. Basta dizer que o filme foi todo gravado em película de 70 mm que, segundo o diretor, é o formato de maior qualidade já produzido, sendo o mais perto de reproduzir o mundo da forma que os nossos olhos veem.
A fotografia de Hoyte Van Hoytema (Interestelar) beira a perfeição, pois captura muito bem as expressões dos personagens e também a grandiosidade do que foi a bomba. A tão esperada cena da explosão é perfeitamente filmada para trazer tensão e sentirmos impacto, medo e ansiedade. Valorizada, claro, pelo design de som de Randy Torres (Tenet) e pela trilha sonora de Ludwig Göransson (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre), que parecem materializar a complexidade do personagem e dos temas sobre mecânica quântica.
Mas além das questões técnicas, um dos grandes trunfos de Oppenheimer é justamente a escolha de um elenco poderoso composto por grandes nomes de Hollywood. Robert Downey Jr. (Vingadores: Ultimato), por exemplo, é um dos antagonistas do longa. O ator - que interpreta Lewis Strauss, ex-presidente da Comissão de Energia Atômica dos EUA - afirmou que esse é seu melhor trabalho da carreira. E ele está certo.
Matt Damon (Ford vs Ferrari) vive o General Leslie Groves Jr. entregando cenas prazerosas de se assistir, já que seu personagem tem um senso de respeito e camaradagem com o protagonista, além do carisma natural de Damon, mesmo como um General dos EUA.
Cillian Murphy (A Origem), por sua vez, é brilhante, evidenciando a mente perturbada de Oppenheimer, transmitida com meros olhares e mudanças de porte e expressão. Ele aborda todas as perspectivas possíveis de quem foi tal personalidade: gênio, herói, inimigo, vítima, algoz. Uma tradução perfeita da incógnita que foi o físico.
Por outro lado, é importante destacar que o papel das mulheres em Oppenheimer está longe do ideal (algo que não é incomum na filmografia do cineasta). Florence Pugh (Não Se Preocupe, Querida) e Emily Blunt (Um Lugar Silencioso), interpretam mulheres fortes e decididas, porém não são aprofundadas como poderiam ser. Apesar de Blunt estar presente em uma das melhores cenas da produção, na qual é interrogada, acaba sendo reduzida ao papel de esposa do gênio. Já Pugh, infelizmente, é desperdiçada com poucas cenas em que se limita a aparecer sem roupa e sexualizada. É a clássica “Mulher na Geladeira”, termo referente ao estereótipo recorrente no cinema em que a personagem feminina é morta ou violentada, única e exclusivamente para motivar e colocar em andamento a história de um personagem masculino com quem ela se relaciona.
Se o roteiro erra no desenvolvimento das personagens femininas, ele acerta não deixar de evidenciar os erros e defeitos de J. Robert Oppenheimer, seja na vida pessoal ou profissional, o descreve como o Prometeu americano. Na mitologia grega, Prometeu foi responsável por roubar o fogo dos deuses e entregá-lo aos homens, causando a ira de Zeus, que o puniu severamente por toda a eternidade, sofrendo as consequências de suas ações.
Ainda que destaque as consequências dos atos do protagonista e suas perturbações, Oppenheimer é problemático ao se compadecer pelo lado trágico da história, na perspectiva do homem atormentado pela monstruosa genialidade e responsabilidade que colocou nas próprias costas. A obra tende a glorificar a figura do criador da bomba atômica, que no final teve sua redenção, como se acreditasse que estava fazendo algo bom para a humanidade, quase como se o vilão da história fosse apenas o arrogante governo norte-americano.
Se podemos chegar a uma conclusão, diria que Oppenheimer é o clássico filme de guerra que Hollywood ama e que certamente renderá indicações ao Oscar, com seus salvadores brancos e a clássica imagem de um herói patriota sendo levantado nos ombros com a bandeira dos EUA ao fundo. Tudo feito com uma técnica cinematográfica primorosa, é claro.
Christopher Nolan
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Nathalia Bottino
Oppenheimer
Robert Downey Jr.
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