CRÍTICA | Quase Memória

Direção: Ruy Guerra
Roteiro: Ruy Guerra, Bruno Laet e Diogo Oliveira
Elenco: Tony Ramos, João Miguel, Charles Fricks, Mariana Ximenes, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2018


Quase Memória é uma adaptação baseada na obra homônima do escritor e jornalista brasileiro Carlos Heitor Cony, que faleceu em janeiro de 2018. Foi o próprio autor que escolheu Ruy Guerra (Ópera do Malandro) como diretor da versão para as telonas, como externou o próprio Ruy e sua filha, Janaína Diniz Guerra, que produz o filme, em coletiva de imprensa na capital paulista. O projeto demorou anos para sair do papel por conta de dificuldades orçamentárias, o que, infelizmente, impediu Cony de assistir o resultado.

O longa conta a história de Carlos (Tony Ramos), um homem que sofre com o desassossego de memórias apagadas e detalhes da sua vida perdidos, mas que tem um encontro inusitado consigo mesmo através de uma dobra no tempo. O Carlos de quase três décadas atrás de depara com o seu eu futuro, um homem que nem ao menos se lembra do próprio rosto. Contudo, a chegada de um pacote estranho, mas que soa completamente familiar, muda as regras da história e os dois embarcam em uma enorme viajem ao passado, que traz consigo memórias de uma figura caricata e incrível do passado do protagonista: o provável dono do pacote, seu pai, Ernesto (João Miguel).

Quase Memória é um filme complexo, diferenciado e encantador. A obra apresenta uma disposição simplista, muito por conta do baixo orçamento da produção, mas é justamente isso que o torna tão especial. Guerra conseguiu mostrar porque é um dos grandes diretores brasileiro em atuação, pois mesmo com uma configuração completamente teatral para as cenas e o uso de pouquíssimos cenários, ele não deixa a desejar na viagem através das lembranças. O longa oferece uma estética belíssima, apostando em inúmeras variações de cores de acordo com o humor empregado em cada cena, exceto pelo tom sempre nebuloso e entristecido que permeia os momentos que envolvem o antigo e o novo Carlos.

Foto: Pandora Filmes

Talvez a maior dificuldade da obra, comentada inclusive pelo próprio cineasta, seja o fato de não possuir locações no Rio de Janeiro, retratando as décadas de 1930 e 1940, mais uma vez por conta das limitações de orçamento, que impediram imagens externas ou a construção complexa de ambientes. Tudo é extremamente simples, com praticamente todas as cenas rodadas em ambientes internos, deixando o restante por conta da imaginação do espectador. O que, convenhamos, não é um ponto fraco, já que Guerra transformou limitação em estética, trazendo consigo uma forte narrativa que sustenta o filme.

Outro ponto a se destacar em Quase Memória é o contraste entre seus personagens. Alguns são caricatos e pra lá de carismáticos, como é o caso de Ernesto, que conta com uma atuação primorosa de João Miguel (Estômago), um dos maiores atores no cenário brasileiro atual. O personagem é engraçado, aventureiro, sem juízo e apaixonante, como um menino que esqueceu de crescer e que constituiu uma família, aprendendo tudo no meio do caminho. Por outro lado, temos o velho Carlos, representado pelo incrível Tony Ramos (Getúlio), que nos entrega uma atuação de arrepiar. Introspectiva, vagante e poética. Completam o elenco nomes como Mariana Ximenes (Os Penetras) e Flávio Bauraqui (Nise: O Coração da Loucura).

Quase Memória é um filme para poucos, que questiona como nossas lembranças podem ser essenciais, mas ao mesmo tempo dolorosas. Esquecer faz com que deixemos de sentir saudades? Para quem assistir ao longa, vale guardar a beleza de um dos diálogos finais da obra. E fica um conselho de amigo: deem mais chances ao cinema nacional. Assistam aos filmes, indiquem, compartilhem e fomentem. Nosso cinema é riquíssimo e com grande potencial para expandir cada vez mais.

Foto: Pandora Filmes

Ótimo

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