CRÍTICA | Fullmetal Alchemist

Direção: Fumihiko Sori
Roteiro: Fumihiko Sori e Takeshi Miyamoto
Elenco: Ryôsuke Yamada, Tsubasa Honda, Dean Fujioka, Ryûta Satô, entre outros
Origem: Japão
Ano: 2017


Adaptações live-action (isto é, com o uso de atores e cenários reais) de animações japonesas são definitivamente um assunto delicado dentre os amantes desse tipo de conteúdo. Apesar de traumas árduos de superar como o improvável Dragon Ball Evolution (2009), houve um respiro de satisfação para esse mercado desde a consagração de público e crítica da adaptação cinematográfica do mangá Rurouni Kenshin, que inclusive culminou em uma trilogia satisfatória aos fãs e aos novos espectadores.

Recentemente também tivemos a comentada adaptação de Death Note (2017), já nos cinemas do japão, um filme da série Jojo Bizarre Adventure que promete sequências e teve recepção morna. Nesse cenário, Fullmetal Alchemist (2017), com produção da Warner Bros e distribuído no Brasil pela Netflix, surge costurando entre os desafios principais deste tipo de empreitada audiovisual.

Duas questões principais permeiam as problemáticas dessas adaptações: a fidelidade à obra, uma vez que parte certeira do público-alvo são de fãs já conquistados pelo que o conteúdo original oferece, estando em geral pouco receptivos a ver o objeto de sua admiração desfigurado; e a "legibilidade" pelo público novo, uma vez que o filme tem o dever de se esclarecer a quem é marinheiro de primeira viagem no mundo fantástico que se revelará. Outros desafios, como os efeitos visuais para traduzir esteticamente elementos fantásticos, ou a ação grandiloquente, características do modelo de anime do qual estamos falando, são percalços menores. As pessoas estão dispostas a ver algo com efeitos extravagantes, contanto que se importem com o que a trama apresenta.

Foto: Warner Bros Pictures

Fullmetal Alchemist se dá num país fictício chamado Amestris, ilustrado com inspirações europeias e governado por um regime militar onde muito da força bélica está centrada em alquimistas federais, soldados capazes de utilizar a ciência da alquimia como um poder de batalha por meio de círculos de transmutação que alteram a forma da matéria. Norte do mangá e de ambas as séries animadas (também disponíveis na Netflix) é que "você dá algo para obter algo de igual valor", não há lacunas na equação científica da alquimia, é um poder impiedoso regido pela lógica.

Crianças prodígios, Edward Elric (Ryôsuke Yamada) e seu irmão Alphonse (Atom Mizuishi) arriscaram o tabu da alquimia - a criação de um ser humano através de seus componentes químicos, na esperança de reviver sua mãe. O projeto falha miseravelmente, além de tomar de Edward uma perna - substituída por uma prótese robótica - e de Alphonse todo o corpo, custando ao irmão também seu braço para poder trazer sua alma de volta, dessa vez atrelada a uma armadura. Para reverterem essa situação ambos se filiam aos militares e buscam incansavelmente uma suposta Pedra Filosofal, artefato que ignora as leis básicas da alquimia e poderia ser a chave para reaver tudo o que perderam.

Ciência e religião se misturam nas perspectivas desse universo, discutindo o potencial e as consequências de seus excessos em um contexto de guerra. O charme da série animada, inquestionavelmente aclamada pelos fãs de anime, está em sua sobriedade e na qualidade de seu roteiro redondo e contido. Entendendo isso, podemos discutir sobre as falhas e acertos do filme. A produção pesa a mão nos efeitos especiais, que são energéticos e impactantes, mas fica difícil desconsiderar a animação da armadura do Alphonse, um dos protagonista que acabou relegado a quase coadjuvante, devido ao baixo curso. Seus movimentos não têm peso e o trabalho de fotografia perante a sua figura muitas vezes soa incoerente.

Foto: Warner Bros Pictures

Apesar da lealdade dos fãs ao material original, é preciso entender que uma adaptação é absolutamente incapaz de encorpar mesmo a metade de uma obra longa como Fullmetal Alchemist. Outro desafio é que sua história não se dá em arcos separados, mas funciona numa progressão bem concisa de uma narrativa com início, meio e fim. O que para a série é impecável, mas o filme dificulta o entendimento do espectador, desvalorizando o que dá história deve ser contato. O primeiro ato parece encontrar uma resposta satisfatória para isso, envolvendo a trama principal do longa na busca pela Pedra Filosofal.

A proposta de novos caminhos para personagens já conhecidos (e odiados) como Shou Tucker (Yô Ôizumi) trás certo frescor ao filme, mas que acaba insustentável pela inconsistência do roteiro, onde o objetivo dos antagonistas não se esclarece em momento algum, quando não beira o ridículo, como nos momentos em que um personagem irrelevante surge pelos cantos, desabrochando em um quase-vilão final que grita de braços abertos: "eu serei o rei do mundo!". Um momento de afetação vergonhosa para quem assiste. Além disso, falta senso de aventura para a jornada dos personagens, qualquer tremor de urgência na narrativa ou peso nas ações dos protagonistas e seus dilemas. As atuações se não são esquizofrênicas, são amorfas, fora alguns enquadramentos bem descompassados emulando uma linguagem de anime que, quando realizada com atores reais, gera bastante vergonha alheia. 

Todos esses elementos me fazem questionar a escolha do diretor Fumihiko Sori (Dragon Age: Dawn of the Seeker) na condução do projeto, ainda que o filme se mostre frustante justamente pela proximidade de ser algo relevante. A escolha de locações na Itália, por exemplo, trás o clima perfeito para a obra, já os figurinos evocam imediatamente os personagens da obra original, deixando a sensação de que a equipe envolvida conhecia e respeitava o material base, embora o resultado final se mostre descontextualizado e vitimado pelos seus próprios diálogos expositivos.

Foto: Warner Bros Pictures

No fim, temos um resultado aquém do esperado, que talvez agrade aos já devotos pela jornada do alquimista de aço, mas que não faz o menor sentido para navegantes inopinados. Sendo franco, vale mais a pena conferir o anime Fullmetal Alchemist: Brotherhood, adaptação fiel do mangá da autora Hiromu Arakawa, e que também está ao alcance de um clique na mesma plataforma.

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