CRÍTICA | Barry Lyndon

Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick
Elenco: Ryan O'Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee, entre outros
Origem: Reino Unido/EUA
Ano: 1975


Talvez o que mais marque o imaginário acerca de Stanley Kubrick (2001: Uma Odisseia no Espaço), tanto a pessoa quanto o cineasta, seja, com razão, sua obsessão esgarçada nas minúcias de cada plano, no passeio dos personagens por um extenso extracampo que vai se revelando na destreza de um zoom out planejado nos segundos. Ao dirigir Barry Lyndon, adaptação cinematográfica da obra literária de William Makepeace Thackeray, o diretor parece encontrar o objeto perfeito sobre o qual despejar seus sonhos. 

Vindo logo após o escândalo de Laranja Mecânica (1971) e as censuras que vinham no encalço, é possível traçar uma relação de expectativas frustradas ao explicar como Barry Lyndon figura tão tímido dentro do cânone de obras-primas da breve filmografia de Kubrick. Sua temática, seu ritmo e mesmo o véu fino de luz em um set todo produzido apenas com luzes naturais corroboram para a expressão de um material soturno, nebuloso, acusado até por críticos da época de ser um desencontro arrastado.

A produção, deixando de lado a expressão histriônica que arremata Laranja Mecânica, não por isso é menos pessimista sobre a natureza humana na mesma medida em que apaixonado pela arte que a humanidade pode confeccionar. Apenas essas celebrações são mais sutis, mais polvilhadas pelo espaço cênico de uma profundidade de campo hipnótica. Toda a cenografia remonta a grandes quadros do século XVIII (em especial, muito é emprestado de Thomas Gainsborough) e dessa vez não é Beethoven, mas Schubert que desempenha um papel de cadência fundamental na trilha sonora.

Foto: Warner Bros Pictures

Acompanhando os acontecimentos da vida do irlandês Barry (Ryan O'Neil), desaforado ao ponto de iniciar a trama ferindo mortalmente um homem em função de seus próprios caprichos para com a prima, o formalismo técnico encontra par nas formalidades alegóricas do plástico modo de vida da aristocracia do período. Enquanto o filme prossegue, o protagonista - que encontra em Ryan O'Neil (Lua de Papel) uma incrível performance, onde cada nova faceta do personagem soa plausível - toma atitudes sórdidas ou covardes que em desfechos irônicos acabam sempre trazendo novo benefício para ele. 

A obra narra sua ascensão política nos seios de uma nobreza que abraça com a mesma facilidade que rejeita homens assim, de acordo com conveniências das mais banais. O que importa, entretanto, é menos esta aventura no campo textual do que a clareza da sofisticação que Kubrick alcança em um filtro parco de luz para traduzir sensações incomunicáveis pelo verbo através de composição de imagem. 

O conflito narrativo é sempre elevado a uma nova escala de tensão por meio de tudo que não se esclarece, seja o desejo e a traição na relação entre Barry e a mulher que lhe dará por amor o sobrenome Lyndon, seja o caos crescente no embate de poder entre o personagem-título e seu enteado. Há um poder de síntese em cada plano que torna a própria realização de Barry Lyndon uma concepção delirante. Esta fascinação nos desafia como espectadores a suportar firmes a grandiosidade de suas imagens enquanto, nas palavras do crítico Roger Ebert, ficamos passivos diante de sua imponente elegância. 

Foto: Warner Bros Pictures


Ótimo

Comentários