CRÍTICA | Maria Antonieta

Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Judy Davis, Jamie Dornan, entre outros
Origem: EUA/França/Japão
Ano: 2006


Produções que retratam figuras histórias nunca são fáceis de serem feitas. De um modo geral, a direção opta por adaptar uma obra literária que já fez um trabalho de pesquisa minucioso sobre aquela personalidade. Com Maria Antonieta (Marie Antoinette) não foi diferente, já que a obra baseia-se na biografia escrita por Antonia Fraser. O fato, no entanto, rendeu diversas críticas à sua realizadora cinematográfica.

O terceiro longa-metragem de Sofia Coppola (Encontros e Desencontros) não funciona como registro histórico, mas sim como uma maneira de compreender de forma mais humana, a mais controversa rainha francesa de todos os tempos, assim como o seu conturbado reinado como arquiduquesa da Áustria. A ideia aqui é trazer uma perspectiva completamente nova para a personagem, focando no lado romântico e descontraído característicos da cineasta.

Austríaca de nascimento, Maria Antonieta (Kirsten Dunst) foi enviada para a França ao fazer parte de um acordo político para desposar o príncipe Luís XVI (Jason Schwartzman). Antes mesmo dos 18 anos, ela se torna rainha e se vê no meio das intrigas da corte, da obrigatoriedade de gerar herdeiros, das frivolidades do reino e do descaso com o povo. Foi o reinado dela e de Louis XVI que terminou com a Queda da Bastilha: com a revolta do povo e suas cabeças rolando na guilhotina. No entanto, Sofia não se preocupa em revelar o contexto político e social da época, se voltando para as inquietações pessoais e devaneios do cotidiano da protagonista.

Foto: Sony Pictures

"Se o povo reclama por não ter pão, que lhes deem brioches!"

A celebre frase dita (ou não) por Maria Antonieta na voz e imagem de Kirsten Dunst (As Virgens Suicidas) talvez seja um dos momentos mais marcantes do filme. Um contraste feroz ao breve prólogo que inicia a narrativa, com a passagem da duquesa de suas raízes austríacas para um mundo completamente novo. A atmosfera aflitiva constantemente segue a personagem através de uma jornada crescente e perscrutada com obstáculos. De uma perspectiva verossímil e externa, podemos enxergá-la como uma jovem vítima das circunstâncias, cujo trágico fim a transformou em um ícone de inocência e resistência.

O importante é observar como durante todo esse processo, não enxergamos qualquer "vilanização" daquelas personalidades. Antonieta e Luís XVI não são cruéis ou loucos, pelo contrário. São pessoas, claramente impróprias para os cargos que ocupam, talvez por serem jovens em demasia. Dessa maneira, a diretora não faz da coroação algo glorioso, transformando o poder a coroa em um fardo a ser carregado.

Sofia - que também é roteirista aqui - consegue unir passado, presente e futuro de forma cômica e irreverente, em pleno século XVII. O que a cineasta faz em Maria Antonieta, portanto, é construir e desconstruir a figura da infame rainha, estabelecendo uma narrativa que brinca com aspectos contemporâneos a fim de nos aproximar de sua protagonista, enquanto que a transforma, diante de nossos olhos, a tal ponto que deixamos de a reconhecer. E ainda que a trama pareça se arrastar em determinados momentos, temos aqui um drama histórico que se diferencia de todas as outras obras do gênero, imprimindo a identidade de sua realizadora a todo momento.

Foto: Sony Pictures

Sofia opta pelo hibridismo cinematográfico e busca inspiração em diversas comédias românticas do final da década de 1990 e do início dos anos 2000 para compor sequências extrovertidas que dialoguem com mais vivacidade e força com um público diferenciado, abrindo um leque de possibilidades interpretativas.

Esteticamente, Maria Antonieta carrega todo o glamour burocrático da coroa francesa. O figurino, ganhador do Oscar na categoria, é um espetáculo à parte. E a preocupação da diretora para que tudo saísse perfeito é um reflexo direto da reputação da rainha que, em plena França pré-revolucionária, passava muitos dos seus dias preocupando-se com roupas.

Além delas, também impressionam as locações. Pela primeira vez na história o interior do Palácio de Versalles foi cedido como cenário cinematográfico, e a cinematografia de Lance Acord (Onde Vivem os Monstros) sabe tirar proveito disso, já que câmera por vezes passeia por todo aquele luxo e extravagância, por vezes parando para contemplar aquilo que registra.

Evidentemente que, como os filmes anteriores da cineasta, a trilha sonora também se destaca. As músicas exercem papel fundamental na narrativa, dando tom aos acontecimentos da vida de sua protagonista. Fugindo da obviedade das melodias de época, Sofia pontua o tom moderno empregado na produção desde sua abertura, ao sermos apresentados ao pós-punk da banda Gang of Four, para depois passearmos pelo dom de The Strokes, Radio Dept. e Aphex Twin.

Em suma, Maria Antonieta é uma joia bruta, cuja beleza está expressa de forma muito clara em cena. Sofia e Dunst sabem bem disso, já que a temática do aprisionamento da alma feminina retoma a parceria que tiveram em As Virgens Suicidas (1999). O mesmo ocorre na obra seguinte da diretora, Encontros e Desencontros (2003). Nesses três filmes há pelo menos uma cena em que suas jovens protagonistas contemplam a liberdade através de uma janela, sonhando com uma vida diferente da que levam. Momentos que falam com o espectador através de um olhar ou de um gesto, deixando o diálogo em segundo plano. 

Foto: Sony Pictures

Se você apreciou os trabalhos anteriores de Sofia Coppola, certamente entenderá suas intenções com Maria Antonieta. Talvez a escolha por uma figura tão emblemática como protagonista tenha sido um passo grande demais para uma diretora que encontrava-se em plena ascensão, ainda que consiga muito bem adequar seu estilo à história que está contando. Não se trata de uma cinebiografia comum, mas do olhar particular de uma cineasta a respeito de uma personagem peculiar.

Bom

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