CRÍTICA | Perdi Meu Corpo


Direção: Jérémy Clapin
Roteiro: Jérémy Clapin e Guillaume Laurant
Elenco: Hakim Faris, Victoire Du Bois, Patrick d'Assumçao, entre outros
Origem: França
Ano: 2019

Perdi Meu Corpo (J'ai perdu mon corps), animação francesa indicada ao Oscar e distribuída pela Netflix, tem uma premissa simples, por mais estranha que seja. Uma mão, que fora decepada, tenta voltar ao seu corpo. É com esse requinte de A Família Addams que acompanhamos a história do garoto Naoufel (Hakim Faris) que, apesar de sempre ter sonhado em ser um pianista e um astronauta (sim, ele queria ser os dois), hoje ganha a vida entregando pizzas e aceitando alguns bicos.

Dirigido por Jérémy Clapin (Palmipédarium), a animação impressiona por sua estética, que é quase uma mistura entre ilustração e stop motion, muito pela movimentação dos personagens em tela. Tal escolha pode causar certa estranheza a princípio (ao menos causou a mim), mas nada que esteja fora da proposta da obra, afinal, estamos falando da história de uma mão tomando vida. Digamos que é uma ótima comunhão entre proposta e linguagem.

O que colabora para a imersão é a história de vida do protagonista. Naoufel, quando criança, vivia com fones de ouvido e, junto de um microfone, gostava de gravar os sons do cotidiano, como o vento, as vozes de seus pais, o abrir de portas ou o soar de um sino. Tudo era motivo para registrar e guardar em seu longo acervo de sonoridades. O desenvolvimento de roteiro dá peso ao personagem, que é uma figura de poucas palavras.

Foto: Netflix

Ainda dentro da ideia de sonoridade, devo dizer que a trilha sonora de Perdi Meu Corpo é um grande acerto. Do acaso de um encontro, aos segundos que antecedem o inesperado. A música carrega o espectador no colo e traz a tona sentimentos diversos, fazendo-o sentir parte daquela narrativa. Inclusive, recomendo a todos que assistam ao filme de fones de ouvido. Eles transformam a experiência, especialmente em seu desfecho.

Voltando ao roteiro, outro acerto é o de intercalar as linhas temporais. Ora estamos acompanhando a mão em meio a uma perseguição de ratos no esgoto, ora vemos as tentativas de Naoufel ter uma vida digna. O que eleva a produção é conseguir encontrar semelhanças em caminhos tão diferentes e, a partir disso, traçar paralelos narrativos entre os dois. Como quando a mão anda sem rumo, entre fugas de pombos e ratos, e o próprio Naoufel está sem norte na vida. Ou quando ele encontra um pouco de paz em meio ao caos com a possibilidade de um romance e de um novo recomeço, para logo na sequência vermos a própria mão encontrando tranquilidade em uma banheira.

Infelizmente nem tudo são flores e a premissa curiosa e envolvente acaba sendo enfraquecida com a inserção de um romance raso e, por vezes, tóxico. As escolhas do protagonista são um tanto quanto manipuladoras, mentirosas e obsessivas. Apesar de haver, em uma cena específica, um posicionamento forte de Gabrielle (Victoire Du Bois), tudo é esquecido extremamente rápido e o desfecho dos dois deixa bastante a desejar.

Foto: Netflix

No fim, o público é presenteado com uma sequência final fantástica. Sem dar detalhes, para não estragar a experiência de ninguém, ver Gabrielle abrindo o armário, com a trilha sonora subindo, e ela encontrando o aparelho e escutando, pela primeira vez, tudo que o protagonista havia gravado, é de uma sutileza impar.

E é isso. Com um visual marcante e uma ótima trilha sonora, Perdi Meu Corpo apresenta boas ideias e reflexões, mas se perde em um roteiro problemático, cujo amargor de decisões fracas e problemáticas atrapalham o esplendor visual e sonoro que a obra propõe.

Bom



Eduardo é jornalista e segue firme e forte na maratona dos filmes dos Oscar.

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