CRÍTICA | Tubarão

Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Peter Benchley e Carl Gottlieb
Elenco: Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss, Lorraine Gary, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1975


Tubarão (Jaws) tinha tudo para ser um fracasso. Quando começou a ser rodado, em 1974, perdeu seu primeiro diretor, Dick Richards (motivo: ele queria que o tubarão fosse uma baleia), teve seu orçamento estourado, seu prazo de entrega foi estendido e, como se não bastasse, as condições meteorológicas tornaram a experiência um verdadeiro pesadelo.

O resultado, como sabemos, foi outro. O filme foi o precursor do que hoje é conhecido como blockbuster, além de ter introduzido ao cinema um “monstro” que mal aparece em tela, mas que consegue causar medo de maneira subconsciente. Faturou mais de US$ 470,6 milhões, chocou o público da época e continua a fazê-lo geração após geração. E se isso tudo não bastasse, foi o longa que lançou Steven Spielberg (Lincoln) como um dos maiores contadores de histórias da sétima arte.

Com um roteiro simples e uma trama que vai de A a B com agradáveis reviravoltas e um suspense arrepiante, o diretor construiu um fenômeno cinematográfico. Para refrescar a memória, vamos de sinopse: Na cidadezinha litorânea de Amity, um chefe de polícia, Martin Brody (Roy Scheider), descobre que as águas pacíficas da praia não são mais seguras, já que um tubarão branco está aterrorizando os banhistas após atacar - e matar - duas pessoas.

Spielberg evocou bem um dos grandes papéis do terror, o de brincar com um fator determinante capaz de dialogar com o mundo real mais profundamente.

Foto: Universal Pictures

O primeiro ato do roteiro escrito por Peter Benchley (O Fundo do Mar) e Carl Gottlieb (O Panaca) é impressionantemente atemporal e contemporâneo ao momento em que essa crítica está sendo escrita, já que o avanço ou os alarmes da ciência têm sido calados por governantes negacionistas que pensam em prol do dinheiro. 

A relação entre o Brody, o carismático oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e o prefeito de Amity, Larry Vaughn (Murray Hamilton), entre outras autoridades da pacata cidade, consegue materializar esse negacionismo com um exemplo ridiculamente prático: colocar uma ameaça “real” e palpável em um cenário tranquilizador, que logo o transforma em caos.

A pergunta lançada é: você realmente está negando que um tubarão exista, mesmo que haja evidências comprovadas para isso, em prol de uma falsa sensação de segurança? Você optaria por virar as costas para os alertas para encarar uma jornada rumo ao risco e, possivelmente, a morte por negação da ameaça? 

Estranhamente, muitos responderiam que sim.

O segundo ato do longa é o menos agitado, onde é explorada a construção das relações humanas em meio ao medo. Brody, Hooper e o excêntrico/arrogante caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) não têm uma relação perfeita no início - principalmente o oceanógrafo e o capitão. A atmosfera de medo constante é o que os une e causa a identificação do espectador.

Foto: Universal Pictures

Aqui, Spielberg intensifica o efeito da presença do tubarão, mesmo que o animal não esteja presente em tela. Esse é um dos aspectos da produção que a fizeram tão emblemática: deixar o público imaginar o monstro, sem vê-lo a todo instante, já que o medo do que não pode ser visto consegue ser tão grande quanto alguns jump scares.

Nesse ponto, a relação dos personagens volta a ser eficaz em tornar a trama ainda mais sensorial e imersiva. Os três dão indicações de onde o “monstro” está, o quão pesado ele é e até mesmo o quanto mede, para que assim o público sempre tenha em mente sua presença ameaçadora. Com essas informações, é como se o espectador pudesse sentir que o tubarão está debaixo do barco mesmo que estejamos no conforto da cama, do sofá ou da sala de cinema.

O ato final é simplesmente esplendoroso. É quando a audiência finalmente consegue enfrentar o tubarão cara a cara, matando de vez a imaginação e evidenciando a realidade da ameaça. Matar a ansiedade do público torna o desfecho ainda mais extasiante, já que, agora, é possível materializar exatamente contra o que se vinha lutando ao decorrer do longa.

A todo instante Spielberg reforça o efeito de tensão desejado com o magnífico trabalho do compositor John Williams (Jurassic Park: Parque dos Dinossauros). Sua música aqui ganhou o imaginário popular. Mesmo quem ainda não assistiu Tubarão já associa as notas baixas e intensas dos instrumentos que acompanham o movimento do animal na água.

É interessante ainda lembrar que, na época, Steven Spielberg tinha apenas 26 anos, um novato na indústria. Tratava-se do quarto filme do diretor, aquele que lhe projetou para uma brilhante carreira.

Foto: Universal Pictures

Com sua simplicidade e adversidades, o sucesso inesperado de Tubarão abriu portas para um novo capítulo na história do cinema. Um que conta com as aventuras e fantasias de um cineasta atemporal. Goste você ou não da trajetória do diretor, imaginar a sétima arte sem Spielberg é simplesmente impossível.

Ótimo

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