CRÍTICA | Verão em Red Hook

Direção: Spike Lee
Roteiro: Spike Lee e James McBride
Elenco: Clarke Peters, Jules Brown, Tracy Camilla Johns, Quincy Tyler Bernstine, Spike Lee, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2012


De volta aos subúrbios e ao calor da estação mais quente do ano, Spike Lee (O Plano Perfeito) insere o espectador na rotina dos habitantes do Brooklyn pela sexta vez com Verão em Red Hook (Red Hook Summer), apresentando um contexto similar com o que já conhecemos de sua filmografia, mas fazendo uso de um argumento bem mais específico e diferente do habitual.

O filme começa com a chegada de Silas (Jules Brown) ao subúrbio de Red Hook, onde passará o verão em companhia de seu avô, o bispo Enoch (Clarke Peters) e o qual até então não conhecia. De cara, a obra dá o tom de desentendimento e conflito de gerações presente nas atitudes dos personagens. Silas, que pede para ser chamado por "Flik", está munido de um iPad do qual não desgruda e é sua ferramenta de registro no lugar novo. O bispo, por sua vez, demonstra aversão à tecnologia, já que nem televisão possui em casa. Seu lar, completamente decorado por objetos e figuras religiosas, incomoda o garoto. É de se imaginar que não será nada fácil para ambos essa convivência.

Enoch administra a comunidade religiosa de Little Heaven, formada pelos habitantes do subúrbio que nos são apresentados nos minutos iniciais. Percebe-se que, diferente do Brooklyn de Faça a Coisa Certa (1989), temos aqui uma comunidade formada apenas por negros, e mesmo assim dividida entre si: os religiosos, os esportistas, as gangues. E no meio disso tudo, um lugar basicamente abandonado e monótono, que em nada atrai o novo visitante acostumado com a rotina movimentada de Atlanta.

Foto: 40 Acres & A Mule Filmworks

Silas/Flik precisa se adaptar ao verão que terá pela frente. A amizade com Chazz (Toni Lysaith) é um pequeno alívio na rotina, mas os conflitos com o avô continuam. Para o bispo, é uma obrigação moral converter seu neto como forma de manter viva a tradição religiosa que tanto preza, mostrando a ele suas raízes. Silas é um estranho no ninho, desde suas vestes até o sotaque ("de branco", como pontua Chazz), e essa obrigação imposta pelo avô, que o coloca para trabalhar e frequentar a igreja, só dificulta essa aproximação e deixa uma sensação constante de inquietação no espectador.

Conforme a história se desenvolve, a atuação de Clarke Peters (Destacamento Blood) é o que mais chama a atenção. Spike destinou grandes discursos para o personagem, extremamente inflamado e convicto em sua fé. Porém, é nessa necessidade em converter o neto e os jovens do subúrbio, ao mesmo tempo que possui um passado desconhecido pela comunidade, ou no quanto se mostra tão grato por estar naquele lugar que nada tem de interessante, que chegamos no ponto de virada da história. Um segredo do pastor vem à tona e desmorona todo o fanatismo e afirmações que fomentavam o apreço religioso que habitava aquele local, até então imaculado.

O roteiro de Spike Lee e James McBride (Milagre em Sta. Anna) nos guia nessa jornada de adaptação e convivência de Silas com o avô para, assim que tudo começa a se acertar, jogar um balde de água fria na aparente tranquilidade que fazia parte daquela comunidade. É uma subversão da moral religiosa em si, a partir do momento que o líder é acusado de violar a própria palavra que prega. À época foi uma decisão arriscada e que chocou a imprensa no lançamento do filme, especialmente pelo segredo em si, que traz um tom dramático inesperado até então. Porém, é aqui que sua crítica, até então sutil, ganha força e causa completo desconforto. É como se essa sacudida fosse necessária não só para os devotos da igreja e os demais habitantes de Red Hook, mas para nos puxar a atenção novamente para a história.

Foto: 40 Acres & A Mule Filmworks

Por tratar de tantos temas simultaneamente, fica a impressão de que Spike Lee não sabe muito bem para onde quer levar seu filme em alguns momentos, oscilando o ritmo da narrativa no exagero de alguns diálogos e tempo de cenas. Porém, será difícil não sair impactado pelo desfecho de Verão em Red Hook, pelo retrato realista do abismo existente entre avô e neto, que precisam lidar com acontecimentos do passado, cada qual buscando seu subterfúgio (a religião/um novo local distante para morar ou uma nova identidade/a tecnologia) para lidar com questões que ainda os amedrontam - mesmo já finalizadas.

Bom

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