CRÍTICA | 7 Prisioneiros

Direção: Alexandre Moratto
Roteiro: Alexandre Moratto e Thayná Mantesso
Elenco: Christian Malheiros, Rodrigo Santoro, Josias Duarte, Cecília Homem de Mello, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2021

São Paulo não é só a maior cidade do Brasil, mas também a mais populosa de todo o hemisfério sul, o que a faz operar sempre em escalas gigantescas demais para observar a olho nu. Ainda com todo este tamanho, uma população de mais de 12 milhões de habitantes parece ser demais para qualquer ambiente urbano comportar. Não que não haja casas e habitações de sobra, mas estas servem mais ao mercado imobiliário quando inóspitas.

Essa imensa quantidade de pessoas, portanto, são reunidas muitas vezes dentro de frestas no cimento, entre grades de aço ou ruínas de esconderijo. Sob a promessa de uma vida mais digna, de poder oferecer conforto e descanso aos familiares, alguns jovens da roça são, como o protagonista Matheus (Christian Malheiros), seduzidos para trabalhar justamente nessas brechas de civilização da metrópole. Onde chegam esperando uma situação honesta num desmanche de ferro-velho, com os benefícios que lhes foram oferecidos, apenas para gradualmente se descobrirem reféns num regime de semiescravidão.

Seu captor, Luca (Rodrigo Santoro), é um homem manipulador e grosseiro que deixa clara sua dominância desde o começo. Possui os documentos de todos, soma dívidas trapaceiras de comida e cama – mesmo que o dormitório seja basicamente uma cela de prisão – para se negar a pagá-los e tem uma rede de contatos extensa o suficiente para ameaçar mesmo as famílias que todos os jovens deixaram no interior, caso tenham êxito em escapar.

Quanto mais tentativas de fuga ocorrem, mais os quatro prisioneiros iniciais se veem menos sujeitos e mais propriedades, sendo retornados ao dono pela polícia conivente, reconhecendo nas pessoas dos estabelecimentos próximos a cumplicidade com tudo que ocorre dentro dos portões de metal do ferro velho. Ainda que o ferro-velho seja aberto, um dos capangas imediatamente sugere que gritem por socorro aos arranha-céus, apenas para contemplarem o silêncio do céu diante das súplicas, um firmamento que parece ainda mais distante da terra, empurrado pelos edifícios para além da possibilidade de ver as pessoas passando.

Aline Arruda/Netflix

A medida que os prisioneiros se veem cerceados, Matheus acaba assumindo a liderança involuntariamente por ser o mais instruído - dentre os rapazes tem até quem não saiba a própria idade -, mas sua inteligência se torna sua própria prisão conforme compreende melhor que não só a extensão da teia que os prende, como também o quão inalcançável é qualquer ajuda. Quando Luca acusa a liberdade que eles almejam de ser só uma outra prisão na miséria e na fome, Matheus não redargue. Por que ele concorda com seu captor? Por que, quanto mais ganha a confiança dele usando sua lábia e proatividade, mais próximo está de um plano de fuga? As curvas e concessões que Matheus vai aos poucos fazendo, à contragosto, para sobreviver, começam a corrompê-lo de forma que 7 Prisioneiros desvia-se da composição de um thriller, se encaminhando para um estudo de personagem, centrado na dinâmica disforme entre Matheus e Luca.

Há alguma cumplicidade disforme que se consolida entre os dois em nome de manutenção e sobrevivência. Quanto mais próximos ficam, mais Luca introduz Matheus aos novos patamares do esquema em que vivem, esclarecendo a escala da violência e o quão fundo suas raízes podres se estender buscando alimento. A imagem é constantemente muito fechada nos rapazes, limitando seu ângulo de visão quase sempre para baixo, mas mesmo encarando a selva de concreto, há incontáveis fiações revestidas de cobre imitando um recorte de grades, sendo este o mesmo cobre extraído do trabalho escravo ao qual estão submetidos. A armadilha na qual caíram não é uma situação isolada, mas o sustento sórdido das estruturas de São Paulo. Matheus, novamente, é astuto o bastante para entender as fantasias de liberdade e prisão da qual é objeto.

É muito cruel, insatisfatória, e discutivelmente equivocada a conclusão do filme, mas se torna difícil não apontar a naturalidade vil com a qual ela se estabelece. Principalmente porque Matheus reconhece Luca, talvez até se identifique com o fato de que aquela também não foi uma vida que ele escolheu, mas esteve entre esta opção e seu próprio extermínio. Em momento específico, um político da cidade prova para Matheus o domínio que tem sobre Luca ao assobiar para chamá-lo como um mascote. O salto disso para as desumanidades atrozes que comete com seus prisioneiros pode parecer surreal, mas confrontado sobre isso, Luca aponta que ele consegue da mesma forma que Matheus passa a conseguir, se transfigurando de vítima para carrasco não em nome de qualquer crença ou moralidade, mas pura e simplesmente agindo em nome de sua sobrevivência.

Aline Arruda/Netflix

Além do sistema cooptar muito facilmente seus agentes e reprodutores, também é muito efetivo em colocar suas vítimas e reféns uns contra os outros, todos buscando uma oportunidade de escalar os muros e alcançarem alguma liberdade para além do concreto, para além da desgraça. Para se tornarem algo próximo de gente reconhecível, precisam deformar a si mesmos. O que Matheus se torna ao fim de 7 Prisioneiros, não tem contornos de vida ou requintes de crueldade. É uma engrenagem do mesmo material enferrujado com o qual suja suas mãos e se distancia de seus iguais.

Ótimo


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