3% | 3ª Temporada


Confesso que, apesar de 3% ser uma das séries brasileiras mais famosas da Netflix, não esperava vê-la renovada para uma terceira temporada. Não porque tivesse particularmente desgostado de seu segundo ano, mas pelo desfecho apresentado anteriormente pelo criador Pedro Aguilera (Historietas Assombradas: O Filme), ao meu ver, satisfatório. Saber que o Maralto havia sido idealizado não por um casal fundador, mas por um trio de amigos que acabaram por desentender-se, trouxe uma profundidade interessante para essa trama distópica, provando uma vez mais que a tão celebrada superioridade dos "merecedores" nada mais era do que uma remediação injusta para os reais problemas daquela sociedade. E, embora o gancho para a continuação estivesse lá, quando Michele (Bianca Comparato) anuncia a fundação da Concha, senti aquilo como um fim ideal.

Errei. E fico feliz por isso. Apesar de alguns desajustes de roteiro, o novo ano de 3% não decepciona.

Girando em torno dos problemas para sustentar o novo extrato da sociedade criado por Michele, essa temporada traz uma trama relativamente complexa. Afinal, o sonho de desenvolver uma sociedade igualitária à margem do Maralto não poderia sair do papel tão facilmente. Revoltada com o sucesso alcançado pelos adversários, a Comandante Marcela (Laila Garin) faz de tudo atrapalhar a nova sociedade, usando a natureza dura do deserto para ajudá-la na luta contra os revolucionários.

Foto: Pedro Saad / Netflix

Logo no primeiro capítulo, uma tempestade de areia violenta movimenta a calma vida dos moradores da Concha. A estrutura do lugar sofre e perde seu coletor de água, sem o qual a vida naquele oásis não é possível. Sem recursos, Michele recorre ao racionamento de alimentos, dentre outras alternativas, mas o respiro é apenas momentâneo. Nesse contexto de caos, Glória (Cynthia Senek), a amiga e braço direito da heroína, convence Michele de que apenas um processo resolveria o problema da superlotação. Embora receosa, a líder da Concha acata a sugestão, indo de encontro a tudo que acreditava até então. 

A terceira temporada é tecnicamente boa. Percebe-se claramente um investimento financeiro maior da Netflix enquanto produtora, o que faz com que nos concentremos no que realmente importa, isto é, a trama (diferentemente do ano de estreia, em que vários elementos técnicos, por exemplo, o péssimo figurino, causavam enorme distração).

Embora, às vezes, ainda recorra a caminhos artificiais e reviravoltas previstas, o roteiro desse ano é, em grande parte, bem-sucedido. Ao demonstrar as dificuldades de se viver em comunidade – seja numa sociedade em que reine a meritocracia, seja num ambiente em que a distribuição de renda busque a igualdade – 3% é contemporânea em suas discussões e utiliza o conflito das personagens de modo bastante interessante. Merece especial destaque a estória dos Alvares (Rafael Lozano), cujos sentimentos familiares conturbados são embalados por uma canção de ninar entoada por ninguém menos que Ney Matogrosso.

Foto: Pedro Saad / Netflix

Encerrando com um gancho que possivelmente indica que teremos uma quarta temporada, 3% ainda tem muito o que explicar. Por exemplo, as decisões do irmão de Michele, André (Bruno Fagundes), e as intenções de Glória. Outro detalhe interessante seria dar ao Continente mais peso na trama, afinal, a Concha, embora uma alternativa ao Maralto, continua excluindo grande parte daquela gente. Ou seria essa uma maneira de argumentar que o socialismo será sempre utópico? 

Bom


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Lívia Campos de Menezes é apaixonada por filmes, séries e boa música (leia-se rock'n'roll). Adora ler e viajar. Mora em São Francisco (CA), onde trabalha como produtora de cinema independente.

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