CRÍTICA | De Olhos Bem Fechados

Direção: Stanley Kubrick

Roteiro: Stanley Kubrick e Frederic Raphael

Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Sydney Pollack, Leelee Sobieski, entre outros

Origem: Reino Unido/EUA

Ano: 1999

“Não acha que um dos encantos do casamento é tornar o fingimento uma necessidade para ambas às partes?”

Um grande desastre para alguns e uma obra-prima para outros. Não há dúvida de que De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut) encerrou de forma singular a filmografia de Stanley Kubrick (Nascido Para Matar). Assim como a figura do próprio diretor, o filme, lançado na virada do século, dividiu a opinião do público e da crítica e, até hoje, é fonte de inúmeras discussões e análises.

O longa começou a ser idealizado 30 anos antes do seu lançamento, quando Kubrick comprou os direitos do romance austríaco de Arthur Schnitzler. Assim como no livro, o enredo de De Olhos Bem Fechados gira em torno da vida de um casal que, após a revelação da quase infidelidade da mulher, entra em uma séria crise matrimonial. No que parece uma escolha irônica do cineasta, Nicole Kidman (O Sacrifício do Cervo Sagrado) e Tom Cruise (Missão: Impossível - Efeito Fallout) - um dos casais mais badalados dos anos 1990 - são escalados para dar vida aos frios e reprimidos Alice e William Hartford.

Foto: Warner Bros Pictures

Kubrick pinta um retrato bastante pessimista do casamento, no qual a relação dos dois tem como base um jogo de aparências e mentiras. A personalidade e o comportamento de Alice e William parecem seguir um roteiro pré-definido, no qual as suas experiências como indivíduos são limitadas e ganham um caráter de falsidade. Se por um lado, Alice representa a esposa que, apesar da insatisfação e do tédio, é submissa ao ponto de ser incapaz de uma traição. William encarna o típico marido que deseja provar a sua masculinidade através do sexo com outras mulheres. Nesse ponto, a instituição do casamento pode ser interpretada como um instrumento de validação dos próprios estereótipos de masculinidade e feminilidade. Não é à toa que, ao longo da narrativa, a crise do casamento é simbolizada também como a crise da própria masculinidade do médico de Hartford.

Outro elemento importante é a discussão sobre fidelidade, que é inserida na trama através da suposta traição de Alice. Em uma cena, a mulher confessa para o marido que, no início do relacionamento, pensou na possibilidade de abandonar tudo para ficar com um marinheiro desconhecido que havia chamado à sua atenção. Apesar da traição nunca ter de fato ocorrido, o relato da mulher é o suficiente para colocar William em um estado paranoico e vingativo. A traição imaginária de sua esposa põe em cheque a sua virilidade e desperta no homem um desejo de “pagar na mesma moeda”, o que nos leva a questionar o que pode ou não ser considerada uma traição.

“- Tenho a mesma certeza de que a realidade de uma noite, para não dizer de uma vida inteira, pode ser toda a verdade. 

- E nenhum sonho é só um sonho. 

- O importante é que estamos acordados agora e esperamos ficar assim por um bom tempo.”

Foto: Warner Bros Pictures

Tudo isso nos leva a outro questionamento. Se na obra literária de Schnitzler, acompanhamos descrições dos momentos de alucinação do jovem marido, no filme de Kubrick a dúvida é semeada desde o princípio, pois sempre nos perguntamos: as aventuras sexuais do protagonista são parte da realidade ou de fantasias do médico enciumado?

Aliás, a dicotomia entre realidade e ficção (fantasias privadas e realidades rotineiras), tão cara ao roteiro, é aumentada graças a alguns detalhes técnicos, passando pela trilha sonora, e movimentos de câmera. A atmosfera fantasiosa é complementada com a decoração natalina presente em quase todas as cenas, que sempre traz as tonalidades do vermelho e do azul, além do colorido do arco-íris. É interessante notar que o azul se apresenta como a cor símbolo do imaginário de William, já que é predominante nas cenas em que ele se perde nas ilusões de sua mente. Isso tudo sem contar, todas as sequências do culto sexual secreto (que flerta com um culto satânico) que foram planejadas com o propósito de deixar os espectadores em dúvida quanto a sua natureza verossímil ou não.

De Olhos Bem Fechados é tão repleto de significados que é quase impossível esgotar as possibilidades de interpretações. E é nessa multiplicidade que reside o mérito do filme. Com personagens instigantes e tramas cheias de indagações, sempre vale dar uma conferida no adeus de Stanley Kubrick.

Ótimo