CRÍTICA | Um Lugar Qualquer


Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius, entre outros
Origem: EUA/Reino Unido/Itália/Japão
Ano: 2010


Irmãs que parecem perfeitas, mas escondem um cotidiano turbulento e macabro. Um desiludido ator hollywoodiano que se vê perdido em Tóquio e encontra uma mulher perdida dentro de seu próprio casamento. Uma adolescente que não se encaixa aos protocolos da realeza aos quais é submetida. A solidão, o medo e a sensação de não pertencimento são pilares que regem todo trabalho de Sofia Coppola (Maria Antonieta). Do roteiro aos cuidados técnicos, a diretora é mestre em criar essas tramas em que, uma vez que os créditos estão rolando diante dos olhos, você já não é a mesma pessoa que era há quase duas horas atrás. 

Em meio a As Virgens Suicidas (1999) e Encontros e Desencontros (2003), obras consideradas cults e que ajudaram a consolidar sua estética e visão cinematográfica, ou até mesmo Bling Ring: A Gangue de Hollywood (2013), um queridinho das gerações mais recentes, Um Lugar Qualquer (Somewhere) chega a ser facilmente ofuscado, por vezes sequer lembrado, em sua filmografia. Uma injustiça, já que com roteiro simples e um olhar delicado por parte da cineasta, é uma das narrativas mais tocantes e bonitas do cinema independente norte-americano da última década. 

A “ovelha negra” da vez é um grande ator hollywoodiano chamado Johnny Marco (Stephen Dorff). Depois de ter sofrido um acidente durante as filmagens de um longa, ele passa a maior parte do tempo isolado em seu quarto de hotel. Esse distanciamento das câmeras se reflete em suas próprias relações. Mesmo cercado de mulheres, com a mídia interessada em seu trabalho e sua frequência em festas lotadas, Sofia faz questão de nos lembrar a todo instante a solidão e o não-deslumbramento de Marco. Nesse quesito, ela referencia sua própria filmografia, resgatando traços da personalidade de Bob Harris (Bill Murray), o tal ator perdido em Tóquio em Encontros e Desencontros.

Foto: Paramount Pictures

Tudo muda quando ele passa a receber visitas frequentes de Cleo (Elle Fanning), sua filha de 11 anos que, antes, era mais um dos laços frágeis e abandonados do ator. De início, ele não quer abrir mão de suas partidas de video game, das noites de droga e das visitas exclusivas (e pagas) de mulheres magricelas para se dedicar a filha. 

Se Marco é um homem entediado e que se leva a sério demais, Cleo é exatamente o oposto. Apesar de uma criança, ela parece ter total discernimento para entender a situação emocional em que o pai se encontra e remexe nisso com um sarcasmo leve, ingênuo até. Ela é quem dá vida e sentido ao filme, já que o turning point da vida do ator é a maneira como ambos são capazes de criar laços. 

As atuações não são necessariamente destacáveis, mas cumprem com o papel de levar ao público uma química afetuosa e agradável. Stephen Dorff (True Detective) e Elle Fanning (O Estranho Que Nós Amamos) jogam um com o outro e constroem aos poucos um relacionamento mais familiar - não em seu sentido cheio de moralismos, mas na maneira de criarem um mundo só para eles. Aliás, uma das sequências mais bonitas do Um Lugar Qualquer é cheia de cenas dos dois brincando na piscina ou de Marco admirando o crescimento pessoal e as habilidades da filha. Ele começa a enxergá-la como uma pessoa importante, como uma prioridade. A singela canção“I’ll Try Anything Once” (uma versão limpa e mais dreamy de “You Only Live Once”) da The Strokes ilustra bem o relacionamento de ambos. 

Em termos de direção, Sofia opta por fazer com que o espectador aprecie tudo sem pressa. Para intensificar o sentimento de distanciamento, a câmera fica posicionada por bastante tempo em planos diagonais e amplos. Os zoom-outs nos personagens também são bastante usados com o mesmo propósito. A medida que os protagonistas se unem, a câmera se sente mais confortável em chegar mais perto deles.

Foto: Paramount Pictures

Harris Savides (Elefante) é o responsável pela cinematografia. As cores se mantém frias e sem grande saturação ou luz, se contrapondo a uma visão deslumbrante de Hollywood. Dessa maneira, não é como se olhássemos para uma pintura magistral, mas para um cotidiano que tem sua beleza escondida. É preciso prestar atenção para encontra-la fora das lentes, podendo estar em qualquer lugar.

A produção teve um custo estimado de 7 milhões de dólares. Mesmo com tão pouco (para os padrões cinematográficos), Sofia consegue criar uma narrativa forte que fala sobre o amadurecimento, o vazio e a maneira inusitada como esse oco pode ser preenchido; além de apresentar uma humanização da figura paterna. É também uma fábula sobre as ilusões desse mundo de glamour, porém vista do olhar de fora. Ao longo de seus 98 minutos, o brilho de Um Lugar Qualquer vai se revelando devagar. Com relativamente pouco diálogo, a cineasta nos convida a observar, a se colocar no lugar do outro por meio de expressões, olhares e movimentos.

Para os pacientes e dispostos, é um achado.

Ótimo

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