CRÍTICA | Incêndios

Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Denis Villeneuve
Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, entre outros
Origem: Canadá/França
Ano: 2010


Com a narrativa se deslocando entre presente e passado que compõem um quebra-cabeça, Incêndios (Incendies) - filme canadense falado em francês que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011 - expõe de forma dramática as marcas profundas deixadas pelos conflitos religiosos na vida de uma mulher e de seus filhos emigrados para o Canadá.

O longa, escrito e dirigido por Denis Villeneuve (32 de Agosto na Terra) reproduz a incansável luta de dois irmãos para esclarecer pontos obscuros na vida de sua mãe. Logo de início, somos apresentados a Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon Marwan (Maxim Gaudette), um casal de gêmeos que acaba de perder a mãe, Nawal Marwan (Lubna Azabal). Além dos bens deixados por ela, os dois recebem um par de envelopes: um deve ser entregue ao pai que nunca conheceram; o outro ao irmão, cuja existência desconheciam. O último desejo da mãe os leva a uma jornada em que descobrirão sua espantosa trajetória e os segredos a respeito de suas próprias origens. 

Jeanne e Simon, criados no Canadá, sempre foram distantes e leigos dos acontecimentos que transformaram a vida da mãe. Muitas histórias sobre o seu passado surgem e enfrentam o caminho de ambos, que tentam juntar todas as peças que compõem o grande quebra-cabeça que foi o passado da matriarca.

Villeneuve alterna o relato das investigações de Jeanne com a reconstituição do passado de Nawal em seu país de origem, quando era, na juventude, vítima da repressão familiar. Para tanto, ele imprime na narrativa não apenas um tom documental, como também cria uma atmosfera de tragédia grega. 

Foto: micro_scope

Nessa investigação o espectador é apresentado a dois pontos de vista, o dos jovens hoje em dia e o de Marwan desde quando era uma jovem cristã no Líbano, que se apaixonou e engravidou de um muçulmano, desgraçando a si mesma e a toda família. Somos mantidos no presente e remetidos ao passado em uma montagem sutil, que em nenhum momento soa forçada, sem trazer uma drástica ruptura entre os momentos do presente e os flashbacks.

Villeneuve deliberadamente deixa o público incerto a respeito do contexto sociopolítico que envolve o enredo, sem especificar o país onde a história acontece, caracterizando algumas regiões de maneira vaga. E quando opta por amarrar algumas pontar em um momento histórico específico, demonstra que pretende focar a atenção mais nos personagens afetados do que na situação em si. Interessa ao longa explorar a violência e o impacto que ela causa nas pessoas, ao invés de simplesmente documentar um conflito. 

O roteiro é hábil em explorar situações que podem ocorrer em lugares que mesclam duas religiões muito distintas, trazendo cenas que são a realidade de muitos que vivem em constante período de guerra. Nossa cultura nos ensina, erroneamente, a associar o extremismo ao Islã. Mas com essa obra, percebemos que matar “em nome de Deus”, qualquer que seja o seu nome, não é exclusividade de religião alguma. A intolerância e o fanatismo podem vir de qualquer lugar e de qualquer fé. 

Destaca-se a competência do realizador em retratar a brutalidade das situações de maneira empática, sem jamais torná-las um espetáculo. O cineasta entende que a sugestão de alguns atos é impactante o suficiente, não havendo necessidade de explicita-los em tela. Quando bem construída, uma atmosfera de terror cria uma angústia que pode ser assustadora por si só.

Foto: micro_scope

Seguindo essa linha de sobriedade, Villeneuve conduz com muita sensibilidade o trabalho dos atores, liderados pela belga Lubna Azbal (Rede de Mentiras). De extraordinário talento dramático, a atriz sabe combinar, com propriedade, as ações físicas de sua personagem com a variação de sentimentos por ela gerados diante das adversidades que enfrenta. É brilhante e atordoante ver a transformação de sua personagem ao longo das décadas.

No mesmo tom, pode-se observar a composição que Mélissa Désormeaux-Poulin (Gabrielle) e Maxim Gaudette (Politécnica) deram a Jeanne e Simon, respectivamente. A dupla controla os nervos e a grande perturbação que a descoberta da verdade vai lhes causar.

Incêndios é um filme direcionado para todos e merece a atenção para além da trama apresentada, principalmente ao demonstrar uma sociedade que se vê mergulhada em um turbilhão de informações a cada segundo e não é capaz de perceber realidades e culturas distintas.

Em seu enredo, estruturado como um romance, o importante é extrair as mensagens passadas e, principalmente, refletir sobre os temas que aborda. O final é desesperador, é doloroso, é inacreditável, e prova o real valor da obra, fazendo o espectador questionar e juntar todas as pontas soltas. De tirar o fôlego, sem dúvida alguma.

Bom

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