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Bruno Botelho
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Direção: Bernard Rose Roteiro: Bernard Rose Elenco: Tony Todd, Virginia Madsen, Xander Berkeley, Kasi Lemmons, entre outros Origem: EUA / Reino Unido Ano: 1992 |
Atenção! Essa crítica contem spoilers.
A desigualdade racial nos Estados Unidos foi responsável por fomentar nos cidadãos o medo do homem negro. O Mistério de Candyman (Candyman), lançado em 1992, aproveita desse contexto sociopolítico, que gera diversas tensões raciais até hoje, para brincar com as ansiedades culturais e transformar a personificação desse medo em uma espécie de bicho-papão (a outra raça) que aparece sem aviso para assassinar pessoas violentamente.
Baseado no conto The Forbidden – da série Livros de Sangue –, de Clive Barker, o filme segue Helen Lyle (Virginia Madsen), uma cética estudante de pós-graduação em Chicago, que estava concluindo uma tese sobre lendas urbanas, o que a leva à história de Candyman (Tony Todd), uma figura com gancho na mão que alguns de seus vizinhos acreditam ser responsável por assassinatos recentes.
“Essas histórias são modernas, lendas urbanas. São reflexos inconscientes dos medos da sociedade urbana.”
O Mistério de Candyman parte desse conceito de lenda urbana que surgem a partir do imaginário popular e são baseadas nas crenças das pessoas e alimentadas, principalmente, pelo medo. No conto original, Barker trata apenas da lenda em si. Já a adaptação vai além, com discussões raciais e sociais.
Candyman Films |
O roteiro e a direção de Bernard Rose (Noites de Crime e Paixão) elaboram a narrativa para que ela funcione como uma lenda urbana propriamente dita. Todo o arco inicial é escrito para fomentar o mito e aumentar o clima de suspense e tensão, na medida que a protagonista mergulha na história. Então, a presença de Candyman fica por um bom tempo apenas sugerida, assim, quando temos sua primeira aparição (depois de 40 minutos de filme), sua presença se mostra poderosa (com uma voz barítono), assustadora e também sedutora.
Quando Helen, uma mulher branca de classe média, cruza sua cidade em direção ao gueto, mais precisamente Cabrini-Green Homes – um projeto de habitação pública de Chicago –, temos um dos focos narrativos e onde a obra quer posicionar suas discussões. Ela se depara com uma história de empobrecimento e marginalização que ela sempre ignorou, devido a sua posição de classe privilegiada.
Ao transferir os eventos do conto original, em Liverpool, para os projetos de Chicago, Rose é capaz de fazer seu roteiro trabalhar sexo, gênero, classe e raça, em um história sociopolítica forte. O visual do gueto acaba se tornando um personagem da produção, já que ele é a história de séculos de desigualdade social. Então, se torna um lugar sombrio e assustador, principalmente ao servir como moradia para Candyman.
O filme foi lançado em um momento em que os slasher movies estavam em alta, especialmente após o sucesso de obras como Halloween: A Noite do Terror (1978), Sexta-Feira 13 (1980) e A Hora do Pesadelo (1984). Porém, ele subverte as expectativas de uma trama clichê que poderia surgir do subgênero, trazendo uma algo mais rico do que sugere em um primeiro momento. Mais do que um mero assassino, temos um antagonista movido por tragédias pessoais, e Tony Todd (A Noite dos Mortos-Vivos) consegue passar todo o terror e imponência que o personagem necessita.
Aos poucos descobrimos a sua história. Era o filho de uma escrava, um artista negro, que viveu durante a Guerra Civil norte-americana e iniciou um romance com uma mulher branca de família rica, chegando a engravidá-la. Porém, o pai da garota fica indignado ao vê-la se envolvendo com um homem negro e manda lincharem ele até a morte. Temos então um “vilão” que era apenas um homem inocente, vítima de um crime de ódio e que busca redenção no amor. Ele acaba enxergando isso em Helen, como reencarnação da mulher que ele amou quando vivo. Comentários claros sobre como os relacionamentos inter-raciais não são socialmente aceitos até hoje, o que também é observado quando ele beija Helen e é "punido" com abelhas saindo de sua boca.
Candyman Films |
"Seu ceticismo destruiu a fé da minha congregação. Sem eles, eu não sou nada. Então fui obrigado a vir."
A protagonista Helen também não é uma mera final girl típica dos slasher movies. Graças a excelente performance de Virginia Madsen (Duna), a personagem mostra toda a força e poder feminino. Apesar disso, também acaba sendo um dos poucos problemas da obra, já que as lentes da branquitude do diretor acabam focando na vida da garota em demasia, celebrando a feminilidade branca e prejudicando o ritmo do longa.
Ainda assim o filme teve importante papel em promover o debate e a análise de como as relações raciais são construídas e representadas, mesmo sendo uma adaptação comandada por realizadores brancos. E, nesse ponto, vale mencionar que o filme ganhará uma continuação em breve, roteirizada por Jordan Peele (Corra!) e dirigida por Nia DaCosta (Little Woods).
Clássico do terror cult dos anos 1990, O Mistério de Candyman merece maior destaque entre os grandes filmes do gênero. Quando revisitado, mantém um enredo atual e necessário sobre questões sociopolíticas, como sexo, gênero, classe e raça, tudo isso em uma narrativa repleta de simbolismos e ambiguidades. Soma-se a isso o fato de conseguir trabalhar o conceito de lenda urbana com perfeição, e temos mais um personagem marcante pra história do cinema.
Ótimo |
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