CRÍTICA | Garota Exemplar

Direção: David Fincher
Roteiro: Gillian Flynn
Elenco: Ben Affleck, Rosamund Pike, Neil Patrick Harris, Tyler Perry, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2014


Garota Exemplar (Gone Girl) é um dos filmes mais relevantes e reverenciados da última década. A mescla de estilos, o enredo recheado de plot twists e o ritmo de perder o fôlego fizeram com que o longa se tornasse tão cativante para o público; além de sua discussão social (sobre o casamento) e moral (sobre o que é o bem e o que é o mal).

O roteiro segue a história de um casal que parece fadado ao fracasso, mas que já teve uma história de amor daquelas cinematográficas (com o perdão do trocadilho). O professor universitário Nick Dune (Ben Affleck) descobre que sua mulher, Amy Dune (Rosamund Pike), está desaparecida e pode ter sido machucada por alguém intencionalmente. 

Amy é conhecida nacionalmente por ser uma personagem de livros infantis cujos autores são um casal milionário. Não demora até que o suposto crime cause uma onda de comoção em milhares de pessoas. Ao mesmo tempo em que não demora para que Nick se torne um suspeito. Isso porque seu comportamento estranho começa a causar burburinho na cidade e na mídia, já que ele não parece abatido pelo desaparecimento de Amy. Ao passo que gravidezes são anunciadas, sangue é encontrado e uma traição é descoberta. 

As metáforas colocadas no plano literal em Garota Exemplar abordam de maneira interessante os conflitos maritais e os sentimentos que um cônjuge esconde do outro. A forma como o faz é cercada de pistas e novos detalhes que vão se descobrindo com o passar tempo.

20th Century Studios

O artifício mais fantástico na história é a inversão de papéis. Tanto no livro quanto na adaptação - ambos escritos por Gillian Flynn (Sharp Objects) - o público inicia a trama partindo do princípio de que Nick é o lado ruim e Amy o lado bom. No principal plot twist apresentado, essa polarização se mostra importante por transmitir o choque principal em quem assiste. O roteiro joga o espectador para lados opostos para criar o sentimento de indignação, que dita o filme do meio ao final.

Nick Dune é um dos estudos de personagens mais fiéis e reais sobre a masculinidade que o cinema já viu. Ele começa a trama como um homem sedutor e “diferente” dos demais, apaixonado e totalmente fiel pela esposa. Até que conflitos pessoais começam a invadir o casamento e passam a expor a real identidade de ambos os personagens. Logo ele se torna o arquétipo do homem preguiçoso, indiferente e que não consegue tomar decisões por si próprio (basicamente um retrato do que 90% dos casamentos se tornam quando os dois chegam na casa dos 30).

Amy Dune, por outro lado, é uma garota tão adaptável que já não sabe ao certo qual é sua própria personalidade. A vida toda pressionada pelos pais e sem uma carreira memorável para chamar de sua, Amy se sente um fracasso. Conforme a trama avança, o espectador entende seu passado turbulento e sua necessidade em ser “a garota legal” com os homens, o que eventualmente acaba tirando sua própria vida de si mesma.

Rosamund Pike (Beirute) foi merecidamente indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 2015, fruto de seu trabalho espetacular como Amy, e da forma única com que consegue encarnar o lado dissimulado e sociopata da personagem em segundos. Não demorou muito para sua performance ficasse marcada no imaginário cinéfilo. O cena final aparece repentinamente na minha cabeça até hoje, seis anos depois.

20th Century Studios

Por outro lado, no quesito premiações, o trabalho de Flynn enquanto autora só foi lembrado pelo Globo de Ouro e pelo BAFTA, mas não levou estatuetas. Uma pena, já que a adaptação de seu livro para as telas é simplesmente impecável, algo incomum para escritores que adaptam suas próprias obras. Ela soube transpor o ritmo do livro no filme de maneira fiel e igualmente interessante.

É notável, porém, que isso só foi possível pelo fato de David Fincher (Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) estar na direção. Mesmo com a longa duração, a produção passa rapidamente aos olhos de quem assiste. O ritmo é dinâmico, os flashbacks são muito bem posicionados e a ferramenta de narração é usada sem excessos. Certamente um dos filmes memoráveis da carreira do cineasta, que tem algumas joias em sua filmografia. 

Garota Exemplar é uma mistura de suspense, drama, romance e pitadas policiais dignas de Hitchcock, mas atualizadas e contextualizadas para a realidade atual. Gillian Flynn e David Fincher criaram um filme capaz de envolver e surpreender o espectador, além de apresentar uma das personagens femininas mais interessantes e assustadoras do cinema moderno. Mesmo que não tenham se passado dez anos do seu lançamento, é seguro dizer que a obra já é um jovem clássico.

Excelente


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