CRÍTICA | Beau Tem Medo

Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Armen Nahapetian, entre outros
Origem: Canadá/Finlândia/EUA
Ano: 2023

O prestígio angariado por sua ainda curta, porém já enormemente celebrada filmografia foi o ponto de venda que possibilitou Ari Aster (Midsommar) ter o sinal verde para a produção mais cara do estúdio A24 até hoje. O que Beau Tem Medo (Beau is Afraid) possui em escala, tanto de duração quanto de produção, é posto em confronto com o quão intimista e a jornada interna do personagem principal interpretado por Joaquin Phoenix (Coringa), que se derrama por todo trajeto físico que ele precisa percorrer na trama e por quem vai cruzar seu caminho.

Beau Wassermann (Phoenix) é um homem adulto, mas de aspecto quase infantilizado pelo quão inofensivo e despreparado é para enfrentar o mundo exterior. Um sujeito completamente absorvido por uma ansiedade paralisante e que parece atrair azar e desventura justamente por estar sempre esperando isto das circunstâncias. De fato, tudo ao redor de Beau trama contra ele nos mínimos detalhes, tornando possível considerar que é mesmo seu pessimismo o agente que molda aquele universo. Mas, dentre tantos medos, talvez o mais corrosivo para ele seja justamente o que precisa encarar em sua odisseia: ir até a casa de sua mãe e vê-la.

Entre lembranças de uma infância controlada por uma mãe possessiva e devaneios fantasiosos de uma vida que nunca experimentou, o espectador vai desvelando camada por camada a profundidade do trauma que mobiliza todas as inanições de Beau. Sendo perseguido toda vida pelo relato de sua mãe sobre uma espécie de maldição congênita que mata os homens da família se estes chegam ao clímax do ato sexual, Beau se reprimiu de toda possibilidade de gozo para poder sobreviver (o gozo é literalmente a morte, como o filme mesmo vai mostrar). A castração absoluta do prazer foi sua única possibilidade de existência.

A24

O longa passeia por muitos cenários que soam como ideias dispersas de premissas para diferentes filmes aqui aglutinados em um excesso inchado. Passado o primeiro ato, a travessia de Beau ruma para um delírio cada vez mais abstrato, sugerindo a todo instante que aquela realidade está mais comprometida com as emoções do que com as ações. E possivelmente onde a obra vai perder muita gente no caminho é na dificuldade dele para convidar o espectador a fazer parte disso. Conforme o conflito se adensa, ele também se torna mais hermético, preocupado demais em metáforas imprecisas ao invés de partilhar as etapas das descobertas com o público. Já no terceiro ato, é difícil ainda estar investido no destino de Beau.

Contribui para esse esgotamento a falta de balanceamento na tragédia ininterrupta do protagonista. Por mais que o diretor, como já explicou em entrevistas, quisesse colocar a plateia no lugar mental de um completo fracassado sem redenção, três horas de exaustiva miséria vivida por um personagem tão incapaz de se defender o mínimo que seja ultrapassa a boa vontade. O resultado é que mesmo a conclusão final desperta pouca comoção no que poderia ser a catarse máxima desta ansiedade dilacerante: a materialização da culpa e da vergonha no formato de um tribunal que testemunha impassível nossos segredos mais patéticos, nossa humilhação mais pessoal.

Tudo bem que o caos final não leve a nenhuma satisfação, não é onde mora o problema. É que a confusão do filme e seus signos soa arbitrária demais, sem qualquer concessão para o espectador poder mergulhar junto. Há um problema de edição de ideias para que tudo pensado participasse efetivamente da trama. Por exemplo, há uma estratégia de marketing camuflada no material promocional, anunciando patrocínio da empresa MW®, uma poderosa fictícia de produtos seguros, com direito a site oficial e respostas automatizadas. Mas isto passa tão despercebido pela audiência quanto é relevante para o todo da trama, sendo apenas a empresa criada por Mona (a implacável mãe interpretada por Patti LuPone). 

A24

De fato, é um filme pensado ao longo de dez anos (tomando como ponto inicial o curta “Beau” do mesmo diretor), mas não houve muito refinamento sobre o que deveria ser condensado. O excesso culmina ultimamente em ausência.

Mas mesmo que algumas partes sejam um tiro no escuro, há sequências envolventes e apaixonadas dentro das três horas de duração sobre as quais é impossível não se pegar pensando sobre. E há escolhas grotescas e ousadas o bastante ao final para que não haja uma pessoa sequer a sair imune da experiência.

Bom


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