CRÍTICA | Luta Por Justiça

Direção: Destin Daniel Cretton
Roteiro: Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham
Elenco: Michael B. Jordan, Jamie Foxx, Brie Larson, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2019

“Nós, negros, somos culpados desde o momento em que nascemos…”

Por trás do sonho americano que o Estados Unidos representa, há também uma nação com uma profunda divisão social decorrente do preconceito racial. O racismo tem sido tema presente em filmes e séries há muito tempo, mas tem ganhado destaque em produções atuais de qualidade, como o documentário Eu Não Sou Seu Negro (2016) e, no ano passado, o vencedor do Oscar de melhor filme e melhor roteiro adaptado para Green Book: O Guia (2018) e Infiltrado na Klan (2018), respectivamente. Produções que retratam casos reais de discriminação racial ocorridos nos EUA. Luta Por Justiça (Just Mercy), também baseado em fatos, é mais um a adentrar esse terreno árido do racismo e mostrar como o tema afeta até mesmo o judiciário daquele país.

Em 1988, Walter McMillian (Jamie Foxx), conhecido pelos amigos como Johnny D., um homem negro, trabalhador do Estado da Alabama, foi preso acusado de assassinar uma jovem e condenado a pena de morte devido a lei vigente no lugar. Enquanto a cidade, majoritariamente formada por brancos no poder, celebrava sua condenação, a comunidade negra local afirmava que McMillian era inocente e que estava em outro lugar na hora do crime. Mesmo com a ausência de provas e os protestos dos familiares, foi mantido em regime fechado e sua morte, por cadeira elétrica, estava certa. Alguns anos depois, o caso teve o envolvimento de Bryan Stevenson (Michal B. Jordan), um advogado negro, recém-formado em Harvard, que abre mão de uma carreira lucrativa para auxiliar pessoas necessitadas. Juntos, travam uma luta contra o tempo para que a verdade venha à tona antes que seja tarde demais.

Foto: Warner Bros Pictures

O longa faz com que o espectador acompanhe Stevenson como se fosse a sombra do advogado, na medida que ele descobre mais sobre o caso de Johnny D. e todos os erros cometidos durante o primeiro julgamento. Ao analisar novamente o caso, o protagonista encontra inúmeras falhas no processo, e começa a reunir provas para conseguir reverter a situação do detento. E assim, Luta Por Justiça constrói sua trama sem pressa, onde cada peça é apresentada e desafiada pelo Tribunal da cidadezinha no estado do Alabama, e mostra o quão cega a justiça é por conta de preconceitos envolvendo a raça dos condenados. 

O roteiro, escrito pelo diretor Destin Daniel Cretton (O Castelo de Vidro) em parceria com Andrew Lanham (A Cabana), é baseado no livro "Just Mercy", escrito pelo próprio Stevenson, e reascende com louvor o debate existente em torno das questões do preconceito racial nos Estados Unidos, conseguindo ir além, fazendo uma correlação do tema com outras questões pertinentes, entre elas a pena de morte, que atualmente é aplicada em cerca de 30 estados norte-americanos, na qual a maior parte das pessoas que vão para o corredor da morte são os menos favorecidos e alguns presos injustiçados, a maioria esmagadora constituída de afro-americanos. 

Ao apresentar a prisão sem provas de McMillian, a trama caminha para mostrar as estratégias de Stevenson no tribunal e sua jornada corajosa dentro da hipócrita e perigosa cidade governada por brancos. Os roteiristas optam, brilhantemente, em não se prender ao drama familiar, que não é o centro da história, mas sim na situação vista do ponto de vista do advogado, que mostra mais o racismo institucional existente na cidade. Temas como violência policial, escravidão e discriminação por raça e cor são abordados pelo roteiro. Assuntos importantes dentro da Hollywood contemporânea, mesmo ao tomar um caminho diferente dos atuais dramas raciais, já que explora muito mais o sistema prisional, sendo uma obra interessante ao lado de outras com uma linguagem mais didática, como O Ódio Que Você Semeia (2018), mas também com a mesma intensidade da minissérie Olhos Que Condenam (2019), por exemplo. Dessa forma, o tom é intenso, emocional e pesado, mas ainda assim funciona como um excelente recorte histórico educativo.

Entretanto, mais do que meramente contar a história de um homem condenado à morte em um julgamento repleto de erros técnicos, negligenciados em nome do preconceito, o diretor vai além ao elaborar a narrativa de forma sensível, sabendo valorizar importantes momentos de silêncio, especialmente em cenas difíceis de digerir, como a da cadeira elétrica. A perspicácia de Cretton consegue mostrar a dor e o desespero sem precisar de muito esforço.

Foto: Warner Bros Pictures

O elenco também impressiona, já que Michael B. Jordan (Pantera Negra) se prova, mais do que nunca, um dos melhores atores de sua geração. Seu trabalho no longa é puro fenômeno e, com olhares intensos, passa a emoção necessária para que possamos nos colocar em seu lugar. Além disso, Jamie Foxx (Django Livre), entrega uma das suas melhores performances da carreira em um papel que nasceu para viver e deve arrancar lágrimas de alguns. Brie Larson (Capitã Marvel), por sua vez, parceira antiga do diretor desde Temporário 12 (2013), não possui tanto tempo em tela, mas cumpre bem o seu papel.

Algumas histórias merecem ser contadas como uma forma de alertar as novas gerações sobre casos e situações extremamente difíceis de se imaginar e na esperança de que no futuro não se repitam. Luta Por Justiça entrega uma história impactante, que toca na ferida e acerta ao fazer o espectador se emocionar, ao mesmo tempo em que se revolta sobre um sistema que claramente é inclinado a prender e executar cidadãos negros. Apesar de não inovar em narrativa, possui um apreço técnico invejável e conta sua história com o coração. Num mundo onde se pede mais empatia pelo próximo, este é um filme mais do que obrigatório para se entender que cor, credo e gênero não definem caráter e muito menos a culpa de alguém. 

Ótimo

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