CRÍTICA | Faca no Coração

Direção: Yann Gonzalez
Roteiro: Yann Gonzalez e Cristiano Mangione
Elenco: Vanessa Paradis, Kate Moran, Nicolas Maury, Jonathan Genet, entre outros
Origem: França / México / Suíça
Ano: 2018


Apresentado em Cannes nesse ano, o novo filme do diretor francês Yann Gonzalez (Os Encontros da Meia-Noite) chega ao Festival do Rio apresentando a narrativa elusiva de Anne (Vanessa Paradis), uma produtora de filmes pornográficos gays tão desmembrados e insanos quanto a história que nos é apesentada. Acontece que os negócios para a personagem começam a ficar terríveis quando um assassino-bondage sai em caça de seus atores. Para solucionar este enigma e capturar o criminoso, ela passa a reproduzir estes assassinatos num formato que classifica como sua master-obra: homocidal (esse trocadilho é bom demais).

Sorvendo de tantas fontes que é inevitável o filme se embebedar, temos na trama uma mistura de homenagens aos longas underground e slasher, com os cortejos de blue films num picadeiro à lá Andy Warhol (Blue Movie). As cores se desmontam e explodem em cena, as encenações são absurdas e hilárias, a busca pelo assassino permite abrir espaço também para desvios violentos da própria diretora. Anne busca com selvageria reconquistar seu affair com a montadora Lois, chegando em um momento a enforcá-la exigindo seu amor. Os atos sexuais e homicidas aqui se misturam tão completamente que pouco se distingue entre os impulsos eróticos e os impulsos mortais.

Em dada encenação de sua obra, ao retirar a máscara do assassino se revela Anne, pois de certa maneira esta dedução não está incorreta. Anne também é cúmplice deste fluxo de violência e sexo indistintos, invade corpos, espia pelas fechaduras, deixa avisos mórbidos na celulose de sua ex. Ela é uma gerenciadora de voyeurs do prazer e da carnificina, tendo não uma motivação, mas um desfile de personagem enquanto está presente na tela.

Foto: Divulgação

O que a move secretamente pouco parece ser solucionar o crime, angariando muito mais de seu interesse a criação por cima do caos. Não fosse assim, todas as sequências sóbrias de investigação não seriam tão insossas, com um sentimento frustrante de estar traindo a tônica do filme. Apesar da primeira sequência de assassinato ser efusivamente criativa e mórbida com a introdução de um dildo-faca que penetra sua vítima, mas restante da obra não acompanha o ritmo iniciado. Também é curiosa a opção pelo pudor, apresentando de maneira esquiva o corpo nu. É uma vantagem do desenho de som, como o fora da tela se preenche com sons de felação que instigam a criatividade, mas não fazem tanta jus à força originária da obra.

O filme entende onde estavam esses nichos homossexuais nas pornografias do cinema underground e uma relação com a AIDS (a narrativa se passa alguns anos antes do primeiro caso registrado na França) é bem palpável. Este assassino sexual sem nome que alveja homossexuais do meio pornográfico. Em meio à voracidade do apetite carnal, os desejos de Anne se misturam com uma insatisfação que a circunda e a incompleta. Ultrapassa mesmo o patamar físico e sua vontade, seu delírio incendiário se apresenta como uma fome pelo insaciável.

Faca no Coração peca por nos convidar para uma aventura hiper colorida, um Kenneth Anger (Fireworks) slasher, mas logo em seguida oferecendo uma condução linear e frígida como não condiz com seus personagens. Ainda é uma experiência visual rica, apesar de frustrante. É como passear pelas vitrines de um varejo de sexo e não poder tocar em nada.

Foto: Divulgação


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