CRÍTICA | A Origem

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Marion Cotillard, Tom Hardy, Ken Watanabe, Cillian Murphy, entre outros
Origem: EUA / Reino Unido
Ano: 2010


Christopher Nolan (Batman: O Cavaleiro das Trevas) tem sua filmografia celebrada (ou odiada) por boa parte do público por entregar filmes, digamos, complexos ao mundo cinematográfico. Com histórias consideradas difíceis de ser desmembradas, o diretor explora linhas temporais, novos espaços-tempo e é responsável por criar universos ficcionais densos, que se interligam de forma que fiquem o mais completo possíveis. 

Nolan também ama um plot twist. Especialmente de pegar ideias relativamente simples e inverter a ordem dos fatos, como no caso de Amnésia (2000), onde ele literalmente conta sua história de trás para frente.

Dito isso, acredito que apenas ele poderia propor uma obra como A Origem (Inception) sem causar frustrações. O cineasta aqui se propõe a criar um desafio: elaborar uma trama de ficção científica profunda, capaz de se dividir em múltiplas camadas. E esse malabarismo todo precisa ser coerente, confuso e caótico ao mesmo tempo.

Contando ainda com um elenco inacreditável de bom, que entrega a proposta com verossimilhança. Podemos dizer que deu certo.

Foto: Warner Bros Pictures

Em A Origem, Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é um ladrão especializado em roubo de informações. No entanto, ele realiza a extração enquanto o alvo está sonhando. Ele então recebe uma oferta de um empresário, Saito (Ken Watanabe), que pede para que ele plante uma ideia no subconsciente de Robert Fischer (Cillian Murphy), que herdará a empresa de seu pai prestes a falecer. No sonho, Cobb precisa convencer Fischer a abrir mão da empresa.

Para lhe ajudar, o protagonista reúne uma equipe digna para os serviço. Arthur (Joseph Gordon-Levitt), Eames (Tom Hardy) e Ariadne (Ellen Page) desempenham funções nos sonhos: o primeiro garante que tudo funcione bem; o segundo falsifica identidades mais próximas do alvo, para tornar a extração de informações mais fácil; e a última arquiteta os sonhos. Saito, por sua vez, é o Turista, presente nos sonhos apenas para garantir que o trabalho será feito.

Além de tudo isso, Cobb sofre com a perda de sua esposa, Mal (Marion Cotillard), que morreu ao tentar realizar uma experiência similar a que eles vão tentar. Apesar de não ser possível morrer em um sonho (a pessoa apenas acorda), é possível morrer quando as camadas são muito profundas. E soma-se a isso o fato de há anos o personagem não ver os filhos, já que não pode entrar em território norte-americano.

Um ponto alto da produção são os efeitos especiais. Trata-se de um dos aspectos mais cultuados do longa, baseado em teorias e pilares científicos. Cada cenário é baseia-se na escada de Penrose, um conceito real e até mesmo explicado no filme sobre um objeto perfeito e infinito. Assim, cidades se dobram, salas se desintegram e se tornam ruínas, o que impacta diretamente na intensidade e no ritmo do longa. Às vezes, esse ritmo é mais pacífico e calmo, como nas cenas do sonho em que Mal e Cobb moram juntos. Outras vezes, a experiência se torna ágil, tensa e claustrofóbica. Um dos momentos mais impressionantes é a luta de Arthur com os agentes de proteção de Fischer no corredor giratório.

Estamos falando de um momento cinematográfico marcante. E não é para menos. A Origem consegue ser visualmente psicodélico, desnorteador e impressionante. Sem esse filme, os efeitos mega viajados de Doutor Estranho (2016), do Universo Cinematográfico da Marvel, talvez fossem bem diferentes. Ou nem existiriam.

Foto: Warner Bros Pictures

A trilha sonora composta por Hans Zimmer (Batman Begins) consegue intensificar ainda mais a experiência, como de costume nos projetos em que participa. O compositor cria paisagens sonoras que se casam perfeitamente com a obra, o que é realmente impressionante.

No entanto, a música tema do filme é “Non, je ne regrette rien”, interpretada pela cantora francesa Édith Piaf. A canção funciona como um alerta para que os personagens saibam que seu tempo no sonho está acabando. A música de Piaf, calma e elegante, se contrasta com a situação de perigo e urgência do sonho, criando um efeito interessantíssimo de contraste.

Claro que tudo isso é sustentado por um roteiro espetacular, escrito pelo próprio Nolan. A história em si se divide em uma trama principal e uma subtrama. Na primeira etapa, aborda o roubo em si. Na segunda, os demônios e conflitos de Cobb; ou seja, a parte mais humanizada do enredo. 

Nolan consegue estabelecer os três atos do roteiro de forma hábil, sem deixar pontas soltas ou buracos, o que torna tudo muito mais factível ao espectador. O objetivo do protagonista, aos olhos do público, é relativamente simples. Até que os imprevistos começam a aparecer e causar os frios na barriga, o que é maravilhoso para a experiência.

Também temos a relação entre Cobb e Ariadne. E o trabalho de Leonardo DiCaprio (Era Uma Vez em... Hollywood) e Ellen Page (Umbrella Academy) é bastante interessante. Ariadne, que é mais jovem, precisa tomar conta de Cobb, que é mais velho. Geralmente, essa balança funciona de forma contrária. Mesmo que o protagonista seja um habilidoso e inteligente ladrão, continua amarrado nos seus erros do passado que o fizeram perder a esposa. A personagem de Page percebe então essa vulnerabilidade e ganha ainda mais peso e importância na história, por tratar de Cobb com atenção, afeto e ser a única que poderia entender os momentos em que Mal tenta sabotar o sonho, mesmo tendo sido a última a se unir ao grupo.

Foto: Warner Bros Pictures

Ainda sobre a perda de Cobb, o longa se sustenta em metáforas para tratar do assunto. Aliás, essa subtrama ganha representações dos cinco estágios do luto. O personagem começa o filme negando a morte da esposa, a encontrando em sonhos que criou para os dois. Ele, aliás, passou uma vida inteira com Mal enquanto dormia e não queria acordar para não perdê-la novamente na vida real.

Quando a personagem de Page ou até mesmo o de Joseph Gordon-Levitt ((500) Dias Com Ela) tentam lembrá-lo da verdade, Cobb sente raiva. Quando Mal começa a sabotar os sonhos, ele tenta negociar com a esposa, o que corresponde ao terceiro estágio. Em certo momento, ele parece desesperançoso, tanto pela perda como pelo fato de seu grupo estar em desvantagem. E, por fim, acaba aceitando a morte de Mal, entendendo que precisa viver fora do sonho para reencontrar os filhos. Então, ele a deixa ir.

Com um dos finais abertos mais instigantes do cinema atual e o questionamento do espectador sobre o que é real e o que não é - algo discutido até hoje, mesmo passados dez anos de seu lançamento - podemos afirmar que A Origem já é um jovem clássico, e certamente ainda será lembrado por muito tempo.

Excelente

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