CRÍTICA | O Aviador

Direção: Martin Scorsese
Roteiro: John Logan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Kate Beckinsale, John C. Reilly, Alec Baldwin, entre outros
Origem: EUA/Alemanha
Ano: 2004


Martin Scorsese (Cassino) não era a primeira escolha para dirigir O Aviador (The Aviator). Antes do seu envolvimento com o projeto, Leonardo DiCaprio (Gangues de Nova York) já estava há bons anos batalhando para adaptar a história de vida do milionário Howard Hughes (1905 - 1976) para os cinemas. A segunda parceria (de muitas) entre a dupla aconteceu quando Michael Mann (Colateral) abdicou da direção do longa, mantendo-se apenas como produtor. O motivo do diretor foi simples: não queria dirigir uma terceira cinebiografia em sequência, já que seus projetos anteriores foram O Informante (1999) - que abordava a polêmica envolvendo o ex-executivo da indústria de tabaco Jeffrey Wigand - e Ali (2001), sobre o boxeador Muhammad Ali. O curioso é que talvez seja difícil imaginar o enredo dirigido de outra maneira que não a de Scorcese. 

O filme é uma releitura da vida do excêntrico aviador e engenheiro autodidata, que se tornou milionário muito cedo com a perda de seu pai, um magnata que trabalhava na indústria petroleira. Aos 18 anos já estava incluso na lista dos mais ricos dos Estados Unidos. Com o tempo, foi também ganhando espaço nas produções cinematográficas — isso em meio à transição do cinema mudo para o cinema falado. Tanto que um dos acontecimentos retratados é seu engajamento com a produção Anjos do Inferno (1930), sua homenagem ao exército norte-americano que, além de ter custado muito caro para a época, levou três anos para ser lançada, devido a necessidade de transforma-lo em um filme falado.

Fotos: Warner Bros Pictures

Fato é que Hughes se tornou uma espécie de "mito" em seu tempo. Todos os projetos que ganhavam sua atenção eram feitos com ousadia, já que não tinha medo de assumir riscos, principalmente quando o assunto era dinheiro. Para além do cinema, ganhou muito destaque com seus diversos recordes pilotando aeronaves — em uma época em que sobrevoar por cima da atmosfera era considerado um ato corajoso, se não insanidade. Com aviões que eram projetados por seu próprio time de engenheiros, ele quebrou o recorde de volta ao mundo em 1938, e foi um dos primeiros a ter culhões para construir aviões maiores e de grande capacidade, similar aos que sobrevoam o céu hoje. 

A vida de Howard Hughes foi excitante e cheia de aventuras, isso é fato, mas quando falamos de O Aviador, pelo contrário, já que o resultado não é tão ousado. A verdade é que ler sobre a vida do aviador causa mais entusiasmo do que, de fato, a assisti-la.

Mesmo com as quase três horas de duração, o enredo não se arrasta, não sobrecarrega o espectador de muitas informações de uma vez. No entanto, ainda é informação demais e com vericidade de menos, se for levada em conta a real biografia de Hughes. É claro que não se deve esperar que releituras narrem exatamente tudo que aconteceu na realidade. Se esse fosse um critério, talvez grande parte das cinebiografias nunca teriam saído do papel. É necessário cautela, no entanto, ou o resultado final se torna o que muitos consideram um desastre de liberdades criativas, como Bohemian Rhapsody (2018), por exemplo.

A atuação de DiCaprio, ainda que magnética em tela, não é forte o bastante para criar uma real conexão com o público. Esse cenário quase vira quando o longa esbarra no ápice da falta de sua sanidade mental. Portador de transtorno obsessivo compulsivo (TOC), as sequências em que esfrega as mãos até sangrar ou em que está imerso dentro de seu próprio caos, quando se isola em meio a fios e garrafas que posicionou ali metodicamente, são claustrofóbicas e agonizantes.

Foto: Warner Bros Pictures

Aqui a evolução do protagonista apresenta um interessante efeito reverso: enquanto o espectador espera por uma evolução positiva, os valores se invertem. Em O Aviador, Hughes começa no auge, mas a medida que vai se despedaçando, acaba entregue à loucura de uma mente que não para de criar, não importa o quão perturbada seja.

Por falar em atuações, quem na verdade rouba os holofotes é Cate Blanchett (Cadê Você, Bernadette?) no papel de Katharine Hepburn (1907 - 2003), com quem Hughes viveu intenso romance e uma louca obsessão. Sua personalidade encantadora e espontânea, unida com sua mente totalmente à frente de seu tempo, é o que quebra o egocentrismo e o (chato) falatório do protagonista sobre sua paixão por aviões. Em certos momentos, é fácil se perguntar o que ela viu em Hughes para se interessar, mas não podemos julgar uma história não roteirizada.

Ainda que a atuação tenha rendido a Blanchett o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2005, o filme quase ignora a presença feminina, aliás, como muitas obras de Scorsese fazem. Vale lembrar que Hughes era considerado um mulherengo e com frequência era exposto em manchetes de jornais por conta de seus affairs com as mulheres mais cobiçadas da Hollywood. Para além das mulheres, coadjuvantes como Jude Law (Um Dia de Chuva em Nova York), Willem Dafoe (A Última Tentação de Cristo) e Alec Baldwin (Missão: Impossível - Efeito Fallout) foram totalmente desperdiçados.

Foto: Warner Bros Pictures

Em termos técnicos, o design de produção é deslumbrante e imprime um forte ar de nostalgia. Os figurinos são belíssimos, as monumentais criações de Hughes são de tirar o fôlego. Scorcese usa brilhantemente da fotografia e dos plongées e contra-plongées para destacar o estado de espírito de Hughes. No início imperial, ousado, destemido. Ao fim vulnerável, enlouquecido.

Tratando-se de um dos primeiros filmes do cineasta no século 21, O Aviador se destaca entre a geração atual de cinéfilos, considerado por muitos um jovem clássico da sétima arte. Clássico esse que, na minha opinião, é facilmente camuflado entre outros títulos, até mesmo dentre as parcerias de Scorsese com DiCaprio.

Bom

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