CRÍTICA | Dublê de Corpo

Direção: Brian De Palma
Roteiro: Brian De Palma e Robert J. Avrech
Elenco: Craig Wasson, Melanie Griffith, Gregg Henry, Deborah Shelton, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1984

Em 1954, o diretor e roteirista Alfred Hitchcock lançava Janela Indiscreta (Rear Window), a história sobre um jornalista que, com sua perna imobilizada depois de um acidente, passa o dia bisbilhotando a vida de seus vizinhos com um binóculos e sua câmera. O filme é considerado até hoje um dos melhores suspenses já feitos, ao usar de elementos como claustrofobia, imobilidade, suposições e paranoia para fazer a cabeça do público viajar.

Trinta anos depois, foi a vez de Brian De Palma (Scarface) reproduzir a proposta em Dublê de Corpo (Body Double), em sua ode para homenagear o trabalho do mestre do suspense, de quem o diretor é grande admirador. Aqui, o De Palma usa dos mesmos princípios que Hitchcock para criar um suspense sedutor e aterrorizante, mas acrescenta contextos maiores e reviravoltas mais amplas, já que não quis explorar o elemento de confinamento.

Seguimos Jake Scully (Craig Wasson), um ator fracassado de teatro e filmes B que, após descobrir sua esposa na cama com outro homem, conhece Sam Bouchard (Gregg Henry), outro ator que está na mesma situação que ele. Sem um lugar para ficar, Sam oferece ao protagonista a casa luxuosa de um colega, onde está hospedado para cuidar das plantas, mas diz que precisará viajar e, por isso, Jake poderá ter o local só para ele.

Ao mostrar o apartamento para o novo amigo, Sam diz a Jake que a melhor vista do local é a janela da mansão à frente, já que todas as noites a mulher aparece nua, fazendo coreografias eróticas e hipnotizantes sem saber que alguém a está assistindo. Jake rapidamente é tomado pelo desejo e, extasiado, passa a observá-la em diversos instantes.

Columbia Pictures

Em determinado momento, Jake percebe que a mulher está em perigo e começa a segui-la e observá-la, tanto para protegê-la como para satisfazer seu tesão. Ele descobre que a mulher é Gloria Revelle (Deborah Shelton), esposa de um homem rico e poderoso em Los Angeles, que está sendo perseguida por um homem misterioso e que sofre violências do marido. Na mesma noite do encontro dos dois, Jake testemunha seu assassinato pelo telescópio, cometido pelo tal homem misterioso.

Obcecado pela morte da mulher, ele começa a fazer uma investigação ao perceber que a dança que a vizinha fazia na janela é muito similar a que é feita por uma atriz pornô chamada Holly Body (Melanie Griffith). O ator então adentra no mundo da pornografia para conseguir entender o que de fato pode ter acontecido com Gloria.

A maneira que De Palma escolheu dividir os arcos narrativos é interessante, porque se preocupa a todo momento em se aprofundar de maneira detalhada nas personalidades e motivações dos personagens. Ele o faz sem exageros e sem esforços, de forma que é muito fácil e rápido conseguir se relacionar com cada um deles. Por esse motivo, o roteiro é muito bem amarrado e todos os 114 minutos do longa acabam muito bem aproveitados.

Os sentimentos de Jake dão o tom do filme, seja pela visão em primeira pessoa ao espionar no telescópio, o que nos traz a ilusão de que somos nós mesmos espiando a vizinha; seja pela tentativa sensorial de nos mostrar o que o protagonista vive na tela. Um dos artifícios é fazer com que Jake fosse um homem claustrofóbico, que além de humanizar o personagem e deixar o público agoniado, também é uma ferramenta simples para impedir que a trama avance de maneira rápida demais. Além disso, o clima sexual e de desejo está sempre presente, até nos momentos mais críticos do longa.

Como dito, ao contrário do que faz Hitchcock, De Palma não posiciona Jake enclausurado em um apartamento o tempo todo, o que tornou possível explorar outras saídas e criar novas respostas para tornar a narrativa ainda mais rica e completa. Além do assassinato em si, Hitchcock também é referenciado na maneira de dirigir os personagens ao volante e até em uma recriação da cena do chuveiro em Psicose (1960) em um filme B. Da mesma maneira, a trilha sonora do compositor italiano Pino Donaggio (Vestida Para Matar) também remete aos temas hitchcockianos.

Columbia Pictures

A direção de Dublê de Corpo foge do óbvio e não é tão objetiva, o que torna o ritmo mais dinâmico, prendendo a atenção do espectador, já que não se quer perder nenhum detalhe do que está prestes a acontecer. De Palma faz isso ao nos mostrar cenários completos, seja nos corredores de um shopping, seja em um edifício de luxo à beira da praia. No entanto, também existem momentos em que o diretor escolhe esconder, como nas lentes fechadas do telescópio para aumentar a tensão, ou quando decide usar o artifício do jump scare, aqui utilizado algumas vezes, mas de maneira condizente ao que a trama apresenta e sem exageros.

Além da objetividade, também é possível observar alguns pontos abertos para interpretações ainda maiores. A primeira delas é a abordagem de Hollywood a partir das lentes menos glamorosas do que o público está acostumado. O roteiro escolhe fazer isso ao adentrar no cinema B, considerado de qualidade inferior na época, e pornográfico; além da própria carreira do personagem principal, que é considerada por ele mesmo como um fracasso.

Outro ponto curioso, que claramente se trata de mera coincidência, é a semelhança do homem misterioso, que persegue e mata Gloria, com o serial killer Richard Ramirez, que ficou conhecido como "Perseguidor Noturno" por invadir casas de pessoas para violentá-las e assassiná-las. Os eventos aconteceram no ano seguinte ao lançamento do filme, em 1985, e tanto o modus operandi como a aparência física do assassino se confundem entre obra e ficção.

O desfecho de Dublê de Corpo tem um daqueles plot twists em que os olhares mais atentos podem sacar parte do que está acontecendo, mas não deixa de ser surpreendente e fazer jus ao que a história se propôs. Há quem considere um dos filmes mais "viajados" do diretor, mas aqui Brian De Palma entrega uma excelente homenagem ao mistério e ao suspense de um dos diretores mais aclamados da história, com originalidade e frescor.

Ótimo


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