CRÍTICA | A Baleia

Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter
Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Ty Simpkins, entre outros 
Origem: EUA
Ano: 2022

Em A Baleia (The Whale), de forma inusitada e - de certa forma - contraditória, vemos Darren Aronofsky (Fonte da Vida) - um homem dito como ateu - dirigindo outra obra com referências bíblicas em sua narrativa, assim como aconteceu em Mãe! (2017) e Noé (2014).

A vida caótica e turbulenta de Charlie (Brendan Fraser) é apresentada ao público em formato de tela 4:3, uma escolha ousada e cult, já que remete a um estilo de cinematografia passado, mas revivido em obras do presente, como em outro longa da produtora A24, Sombras da Vida (2017), dirigido por David Lowery (O Cavaleiro Verde).

Logo de início o espectador recebe um choque de realidade ao deparar-se com um dos momentos mais sensíveis para qualquer um de nós, quando nos tocamos de forma sexual. A forma como Charlie esconde-se do mundo é somado aos fetiches que são fruto de sua vida amorosa turbulenta. Ele acaba sendo interrompido de forma abrupta, em seu clímax, ao ver seu coração acelerar e quase o levar a óbito.

Aronofsky personifica a baleia Moby Dick do romance de Herman Melville, pelo qual Charlie é tão obcecado, por conta de uma redação escrita por sua filha, Ellie (Sadie Sink), durante sua tenra infância. O personagem não é chamado assim, de forma pejorativa, por conta de sua aparência física, mas por outros fatores conflitantes que nos levam até a conclusão do filme, como sua vida amorosa, sexual e familiar.

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E é curioso como o design de produção e a cinematografia insistem em ambientar o título da obra, já que durante toda a história vemos o clima chuvoso e nublado externo à casa de Charlie, como poderíamos imaginar ser em alto mar. Algo que acaba remetendo novamente a Bíblia, no versículo 1:17 de Jonas. Como é de conhecimento popular, sabemos que Jonas permaneceu dentro da baleia por exatos três dias e três noites, semelhante ao tempo que passamos no longa, que inicia durante uma noite de segunda-feira e termina, em seu ápice, na manhã de sexta-feira.

Durante a permanência de Jonas dentro da Baleia, ele passa por momentos de provação e aceitamento, assim como Charlie, que evita falar do seu relacionamento que chegou ao fim, após a morte de seu companheiro; o abandono de sua família e a forma como acabou lidando com tudo isso, resultando em seu corpo enorme e estagnado na eterna mágoa.

Arrisco dizer que Thomas (Ty Simpkins), primeiramente vindo como um missionário do Nova Vida, pode ser comparado a um anjo, um mensageiro, uma esperança e redenção de Charlie com Deus. Até mesmo o entregador da Gambino's tem a sua importância, já que aparece repetidamente, como uma voz da consciência de Charlie, recordando-o se ele está realmente bem ou precisa de ajuda.

O pássaro preto que visita o protagonista para se alimentar das maçãs deixadas em um prato, pode ser o símbolo de mau agouro, o presságio de algo que não tem como evitar. Tendo essa ideia reforçada ao vermos que o prato se quebra, como uma conclusão de uma missão, que ele não precisará retornar futuramente.

Em seu desfecho, A Baleia viaja pelas conclusões tomadas por seu protagonista, que ascende, de certa forma, à uma breve lembrança de verão, pisando na areia acompanhado de sua filha e mulher. O enquadramento dos pés de Charlie entrando em contato com o mar, de certa forma, pode ser compreendido como uma barreira que ele conseguiu ultrapassar, todo aquele desafio imposto a si, segundo a Jornada do Herói, de Joseph Campbell.

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Por fim, vale ressaltar a trilha sonora de Rob Simonsen (Tully), que num filme limitado a poucos cenários, nos faz sentir que algo grandioso está ganhando forma, resultando em um momento grave da sinfonia, que arrepia a espinha e nos faz sentir o peso da narrativa que assistimos na tela, sem nunca esquecer a solidão e as travas mentais da vida de Charlie.

Excelente



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