CRÍTICA | Praia do Futuro

Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Marco Dutra
Elenco: Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuíta Barbosa, entre outros
Origem: Brasil / Alemanha
Ano: 2014



Donato (Wagner Moura) é um salva-vidas cearense que tenta resgatar 2 turistas alemães que estão se afogando no agitado mar da Praia do Futuro, em Fortaleza. Um dos rapazes acaba falecendo, o que obriga o brasileiro a dar a notícia para Konrad (Clemens Schick), o sobrevivente, criando instantaneamente uma relação inesperada entre os dois, que envolvem-se emocionalmente e amorosamente. Quando Donato muda-se para Berlim com Konrad, acaba deixando Ayrton seu irmão mais novo, e fã número 1, com a mãe em Fortaleza.

É importante destacar que a cerne da história de Praia do Futuro não é o homossexualidade, ainda que seus personagens sejam homossexuais. O roteiro poderia facilmente substituir o sexo de um dos dois protagonistas e a história ainda trataria da imagem do herói partido ao meio, das escolhas que fazemos em nossas trajetórias e a busca pelo sentido da vida de cada um. Não que essa informação seja uma condição para alguém ir ou não ao cinema ver o filme, mas me assustou a quantidade de pessoas que deixaram a sessão de pré-estreia do longa, após presenciar uma ou outra cena mais quente entre o casal em tela. Foi como disse o próprio Karim Aïnouz (O Céu de Suely), diretor da obra, ao ser questionado sobre o porquê da escolha de um casal homossexual: "Existe algum motivo em específico para escolhermos um casal heterossexual em tela?". É importante que o Cinema nacional possua a maturidade de encarar o assunto como algo natural, e aqui temos um ótimo exemplar dessa ideia.

Ainda sobre o roteiro, escrito por Aïnouz em parceria com Felipe Bragança (Heleno), temos uma abordagem dividida em 3 capítulos, que são clara e propositalmente diferentes entre si. Em cada peça temos um protagonista, sutilmente identificado pela direção através de planos elegantes e posicionamento de câmera. Há alguns padrões e rimas visuais bastante interessantes na obra, como quando vemos o casal de protagonistas alinhando-se em tela durante uma cena em um quebra-mar, no 1º ato, como se fossem um só, para no 2º ato, num momento de relação estremecida, vermos ambos deitados juntos na cama, mas levantando-se para lados opostos.

É evidente que Fortaleza e Berlim são cidades opostas em clima, visual e cultura, e a fotografia de Praia do Futuro é utilizada com o intuito de ressaltar essa diferença, o que é primordial para a proposta do longa. Aïnouz utiliza de locações vastas e ricas visualmente, usando de grande profundidade de campo e proporcionando tomadas fantásticas, belíssimas aos olhos dos espectadores. Além disso, o diretor não se priva de trazer os atores para o canto da tela ou de filmá-los a distância, valorizando a tomada. A cena de abertura com a dupla de turistas adentrando o mar na acalorada Praia do Futuro ou a discussão em meio a uma chuva de granizo num bosque da fria Berlim, são emblemáticas.

Os temas abordados, como citei no início, são interessantíssimos. A imagem do herói quebrado, especialmente. Ayrton enxerga seu irmão mais velho como o Aquaman, devido a sua paixão pelo mar, no entanto, a decepção por sua partida não o impede de vestir o laranja (quando já interpretado por Jesuita Barbosa), cor que simboliza esse super-herói em específico. Prova de que, apesar das falhas, o irmão ainda é seu exemplo de coragem, de certa forma. A obra inclusive apresenta um monólogo muito bonito a respeito desse adjetivo em específico em seu desfecho.

Ficou claro a mim que Praia do Futuro não será um filme para o grande público. Trata-se de uma obra contemplativa, de poucos diálogos, que lida com temas ainda polêmicos de certa maneira (as pessoas que se retiraram da sessão não me deixam mentir), mas que provavelmente será abraçado por aqueles que enxergam no Cinema algo além de mero entretenimento escapista. A obra de Aïnouz exige reflexão e sentimento para ser apreciada, curiosamente algo que todo ser humano possui. Basta se permitir.

Ótimo

Comentários

Postar um comentário

Gostou, não gostou, quer conversar sobre? Comenta aí!