5 Filmes Subestimados de Martin Scorsese


É possível que algumas pessoas não se encantem pelas obras de Martin Scorsese, mas é inegável o seu talento como diretor. O norte-americano possui uma carreira consagrada, sendo considerado um dos maiores diretores do cinema mundial pelos diversos clássicos que criou e que servem de referência para tantos colegas de profissão. 

Seus filmes mais conhecidos são marcantes para o público por retratar o cotidiano de pessoas problemáticas, obsessivas e envolvidas em contextos de tensão e violência, sempre testadas até o seu limite. Estas características fizeram parte da infância do pequeno Marty, que encontrou no cinema uma forma de se ocupar e desenvolver sua criatividade, tentando ficar alheio aos problemas do bairro onde cresceu.

Scorsese possui mais de 20 filmes assinados com sua direção, sendo realmente uma filmografia com trabalhos muito bem escolhidos e parcerias incríveis, principalmente com Robert De Niro e Leonardo DiCaprio. Vejo que o único ponto negativo em ser tão lembrado por algumas obras específicas, como Taxi Driver, Touro Indomável, Os Bons Companheiros ou Os Infiltrados, fique por conta de outros filmes do diretor serem frequentemente esquecidos, sendo que são obras grandiosas e que surpreendem em mostrar a versatilidade dos temas e da técnica de Martin.

Abaixo, listei cinco obras menos conhecidas desse mestre do cinema norte-americano.


Alice Não Mora Mais Aqui 
(Alice Doesn't Live Here Anymore, 1974)


O projeto de Alice Não Mora Mais Aqui caiu de pará-quedas no colo de Scorsese, que recebeu um convite para dirigir o filme no início de sua carreira. Inclusive, foi a própria Ellen Burstyn (a própria Alice do filme) que se interessou pelo trabalho dele e disse que queria a obra toda desenvolvida sob o ponto de vista feminino. Quem assiste ao longa desavisado jamais apostaria que Scorsese o dirigiu.

Na obra acompanhamos a jornada de Alice e seu pequeno filho. Após perder o marido em um acidente, a mulher decide mudar de cidade e tentar a vida em outro lugar, em busca do sonho que possui desde jovem: tornar-se cantora. Logo vemos que o caminho de Alice representa o de tantas outras mulheres desde a década de 70 até hoje, sendo um filme extremamente atual em diversos pontos, ao tratar do relacionamento abusivo que ela acaba tendo com o personagem de Harvey Keitel (Taxi Driver) e de outras tantas formas de machismo que o sexo feminino enfrenta diariamente. 

Apesar da premissa do filme soar dramática, a história se desenvolve de forma bastante leve, com alguns momentos divertidos e inesperados. Vale destacar a atuação de Ellen Burstyn (Interestelar), que venceu o Oscar de Melhor Atriz por este papel, interpretando uma mulher que se descobre mais forte e independente do que pensava, mas com uma ternura que nos faz torcer por sua felicidade a todo momento. Um filme de mãe e filho, de superação e de quebra de paradigmas que merece muito mais atenção.


O Rei da Comédia 
(The King of Comedy, 1983)


A colaboração de Martin e De Niro é uma das maiores do cinema norte-americano, disso não há dúvidas, mas ainda é possível se surpreender com a qualidade de cada trabalho produzido por essa dupla. Um deles, praticamente esquecido na filmografia de Scorsese, é O Rei da Comédia. Tenho para mim que esta é uma das melhores atuações da carreira de Robert De Niro (Cassino), que impressiona ao interpretar Robert Pupkin, um aspirante a comediante obcecado em se lançar no mundo do show business televisivo.

Temos aqui mais uma riquíssima construção de personagem. Em busca de seu objetivo, Pupkin se coloca em situações constrangedoras, muitas vezes dignas de pena e dificilmente sendo levado a sério por qualquer pessoa, sendo esnobado até mesmo pelo seu ídolo, Jerry Langford (intepretado por Jerry Lewis). Esse episódio é o suficiente para começarmos a desvendar um pouco da sociopatia do protagonista, o qual se mostra muito mais perigoso do que aparenta.

O roteiro é carregado de ironias, como o sobrenome de Pupkin diversas vezes pronunciado incorretamente (mostrando sua irrelevância para todas aquelas pessoas), e faz uma crítica inteligente sobre a busca incessante pelos "cinco minutos de fama". Destaque para a cena em que De Niro se imagina conversando com Jerry e Liza Minnelli em seu próprio talk show, com a imagem dos dois e de tantos outros artistas consagrados servindo de decoração para o que é, na verdade, seu próprio quarto. 


Depois de Horas 
(After Hours, 1985)


Conhecer uma pessoa aparentemente interessante de forma aleatória e criar alguma expectativa em cima disso. Quem nunca? Todos já fomos inocentes como Paul Hackett (Griffin Dune) pelo menos uma vez na vida. Mas acho difícil que alguém tenha tido uma noite mais hilária do que o roteiro de Depois de Horas

Dessa vez, Scorsese se aventura na direção de uma comédia nada convencional, retratando um verdadeiro pesadelo urbano na madrugada do personagem principal.

Ao pegar o número de uma moça com quem troca algumas palavras numa lanchonete, Paul telefona para ela logo após chegar em casa, com uma desculpa para ir visitá-la. Chegando no bairro do SoHo, endereço da mulher, é que a loucura começa. A inteligência dos diálogos e a forma com que os próprios personagens se encaixam um na história do outro deixa tudo ainda mais engraçado, não de uma forma que você vai gargalhar, mas com certeza te deixará preso até o último segundo do filme, a fim de saber como termina a aventura de Paul pelas ruas, apartamentos e comércios de uma Manhattan nada conhecida para ele.


Cabo do Medo 
(Cape Fear, 1991)


No começo da década de 90, Scorsese e De Niro ainda estavam produzindo ótimos filmes. O remake de Cabo do Medo (o original é de 1962) foi a penúltima colaboração da dupla até os dias de hoje, um thriller sobre um ex-presidiário em busca de vingança contra o advogado Sam Bowden (Nick Nolte), o qual ocultou uma prova que poderia ter evitado a condenação do homem por uma acusação de estupro. Depois de cumprir sua pena, Max Cady (interpretado por De Niro) volta para assombrar a família.

A versão de Scorsese alterou bastante a obra, trazendo uma versão mais "suja" e violenta do antagonista, além de um núcleo familiar problemático. Essas mudanças causam um clima de maior desconforto na trama, formando a tensão necessária para o arco final da história. A trilha sonora de Elmer Bernstein, uma adaptação da trilha original do GENIAL Bernard Herrmann, também é essencial para criar o medo que irradia ao encararmos o personagem de De Niro, que está quase irreconhecível fisicamente e criou um vilão realmente apavorante. 

O filme é um tanto previsível em alguns momentos, mas funciona como um ótimo suspense, mostrando que Martin Scorsese também consegue se aventurar em mais um gênero não tão recorrente em sua filmografia.


Silêncio
(Silence, 2016)


Apesar de ser o filme mais recente do diretor, percebo que Silêncio não caiu nas graças das premiações, da crítica e do público. Eu também demorei para assisti-lo, mas confesso que me arrependi por não ter ido ao cinema prestigiar a obra.

Tratando de temas complexos, como a fé e a religião, acompanhamos a saga de dois padres portugueses que viajam até o Japão do século XVII, em um período de perseguição àqueles que se consideram cristãos. O rumor de que seu mentor, o Padre Ferreira (interpretado por Liam Neeson) apostatou, faz com que os portugueses encarem a viagem como uma missão de encontrá-lo para saber se isso é verdade, mas a miséria que encontram pelo caminho e a sensação do abandono divino começam a pesar e criar questionamentos nos padres.

O roteiro é baseado no romance Chinmoku, do autor japonês Shusaku Endo, e a história se passa sob o ponto de vista do personagem cristão, mas o filme não é tendencioso em definir vilões ou mocinhos na trama. Ao mesmo tempo que sentimos certo tipo de admiração pela persistência do padre em não abrir mão de sua fé, mesmo que isso custe o fim de outras vidas, fica também o questionamento da intolerância e da falta de respeito que existem desde sempre quando somos confrontados com pensamentos que divergem dos nossos.

Outro ponto a se destacar é a parte técnica do filme, fundamental para guiar nossos sentidos, com uma fotografia espetacular (indicada ao Oscar, aliás) e com uma trilha sonora certeira, não se utilizando de qualquer efeito dramático mesmo nas cenas mais pesadas, preservando o som natural do mar e da floresta, ou o ruído de sofrimento dos torturados. 

Mas e Deus? Como interpretar Seu silêncio diante de todo o sofrimento daqueles que Nele acreditam? Essa é a questão central que ora traz dúvida, ora traz conforto ao coração dos fiéis cristãos, mas os minutos finais do filme valem cada segundo para sua própria interpretação do que é a fé na vida daqueles que continuam acreditando.

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