O Cinema de Diretor e Suas Assinaturas


O cinema sempre pode fazer muito com nossos sentimentos. Dentro da sua capacidade de abraçar diversos tipos de artes entre imagem, som e movimento, as histórias a serem contadas surgem em uma infinidade de possibilidades. Não existe uma forma absolutamente certa de contar uma história, mas sim aquela escolhida para o tipo de filme em que vai ser construída. Na época em que vivemos, onde tudo é conectado e analisado excessivamente, é provavelmente essa característica que faz com que o cinema seja um dos principais tópicos de discussão – porque nunca vai haver uma resposta que esteja inteiramente correta.

Essa abertura de possíveis conduções de histórias recai, obviamente, sobre quem escreve e/ou dirige os filmes e também conduz toda a equipe que o realiza, e também sobre o elemento que é mais interessante do cinema: ele é pensado e feito por pessoas e para pessoas. Parece óbvio notar isso, mas quando se pensa que vários grupos de pessoas em um determinado contexto ou momento da vida, com opiniões e experiências completamente distintas, assiste a uma história contada por um outro grupo tão diverso quanto esse, dá pra ter uma noção de quão diferente o cinema pode ser.

Como exemplo mais recente, o novo filme de Darren Aronofsky, mãe!, parece ser o longa polarizador dessa temporada (leia a crítica), caindo no clássico caso de ame ou odeie (o que até dá pra dizer que acontece com uma certa frequência em sua filmografia), e que parece ter sido construído para instigar esse tipo de reação das pessoas. É também papel do diretor construir qual mensagem ou sensação o filme pretende passar, qual seu significado, ou até ausência deste.

Alguns diretores podem escolher dirigir o mesmo gênero, Kathryn Bigelow (Detroit em Rebelião), por exemplo, desde 2008 decidiu representar em seus filmes os grandes problemas sociais e políticos que o Estados Unidos enfrenta, de uma forma muito crua e sincera que a destaca, entre tantas outras obras que tratam dos mesmos problemas, tendo rendido a ela o Oscar por Guerra ao Terror. Seus personagens são machucados pela guerra e profundamente transformados por ela. Que os anos passem e esses filmes não deixem de ser contemporâneos em seus sentimentos, é também outro ponto forte.


Os personagens de Kathryn Bigelow em A Hora Mais Escura (topo) e Guerra ao Terror. Ambos mais confortáveis lidando com a guerra do que com os efeitos que ela causa neles.

Guy Ritchie (Rei Arthur: A Lenda da Espada) sempre faz filmes de aventura/ação de uma forma muito específica, fazendo uso de cortes rápidos e um tom mais despojado, vezes com enredos originais, vezes reinventando outros já consagrados. É possível considerá-lo um diretor que criou algo como um gênero para si mesmo. Nesta cena de Sherlock Holmes, todos esses elementos estão presentes. É uma interpretação do personagem que não tínhamos visto ainda, há cortes muito rápidos e a narração em off. Funciona para que possamos começar a conhecer este personagem que, de um ponto de vista, é novo, além de prender nossa atenção por ser uma cena tão diferente.


Podemos falar a mesma coisa de Quentin Tarantino (Os Oito Odiados) e Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste), que criaram uma estética tão própria, que é possível identificar um filme desses diretores assim que começa, Tarantino por suas longas cenas de diálogo e também, claro, pela violência; Anderson pela já consagrada simetria de seus planos, além dos tons de cores e o design de produção de seus filmes, que nos transportam para um universo particular.

A simetria de Wes Anderson

Das formas que existem para se criar uma marca, é possível destacar o uso de câmeras, do enquadramento utilizado, a fotografia e paleta de cores, a história que contam, a ambientação e, também de uma forma geral, o jeito que seus personagens se comportam e falam. Assim como o cinema não é uma fórmula fechada, todas essas técnicas podem e devem ser exploradas.

David Fincher (Garota Exemplar) é um diretor com marcas sutis. Seus filmes têm uma aura semelhante, que não é tão forte quanto as obras de diretores como Tarantino e Anderson, mas que ainda assim deixam uma impressão clara. Em Seven: Os Sete Crimes Capitais, por exemplo, os dois detetives protagonistas são personagens completamente opostos e o longa precisa nos mostrar isso, sem deixar de mover a história. Fincher demonstra aqui, então, seu apreço por mostrar personagens em seu cotidiano, colocando-os fazendo a mesma tarefa, pesquisas para o caso em que estão trabalhando, mas de formas tão diferentes quanto eles são um do outro. Fazendo uso de uma iluminação baixa que ajuda a manter a ambientação, a sequência transforma algo mundano em algo interessantíssimo, pela forma como é montada, como também cumpre seu dever de nos mostrar os tipos de pessoas que nossos protagonistas são.


É interessante como essa criatividade sobrepõe questões de cenário independente X estúdios. Há muito o que se discutir quanto a disparidade entre esses dois formatos e, embora o cinema independente tenha tendência de ser muito mais criativo por natureza, já que é preciso fazer muito com pouco (e aqui falamos tanto de pouco dinheiro como também pouco tempo), nada impede de que essas características marcantes sejam impressas por um diretor em um blockbuster. Podemos olhar, por exemplo, como J.J. Abrams (Super 8) transporta sua forma de fazer cinema para as franquias de Star Wars e Star Trek, conseguindo fazer a ponte entre o clássico e o moderno, além de criar personagens fortes e histórias bem construídas o suficiente para funcionar bem tanto para quem já decorou todas as falas de O Império Contra-Ataca como também para quem não sabia quem era Luke Skywalker até assistir O Despertar da Força.


A procura por um lugar a pertencer é um tema recorrente na filmografia de J.J. Abrams. Rey em Star Wars: O Despertar da Força (topo) e James Kirk em Star Trek

Para também levar em conta nessa discussão o atual cenário do cinema: discute-se muito a pouca quantidade de filmes originais que são distribuídos, e há o discurso de alguns de que o cenário atual só tem obras de super-heróis, adaptações e sequências. É inegável que esses filmes recebem tudo em maior quantidade: divulgação, orçamento, antecipação, salas de cinema, mas os longas com a originalidade que tanto é pedida existem, estão aí com diretores, esperando que os conheçamos. E esse exercício de perceber as peculiaridades de cada um deles e o que faz de seus filmes serem únicos, é uma das maravilhas do cinema.

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