5 Filmes de Cineastas Mulheres | Parte 2


Esse ano foi marcado por muitos escândalos e casos de assédio sexual, violência e até estupros na indústria cinematográfica. As mulheres, de uma vez por todas, perceberam que está na hora de dizer CHEGA para tudo isso e mostrar a nossa força e capacidade de sobrepor esse tipo de situação constrangedora e humilhante. 

E, para celebrar o poder e o trabalho feminino, trago a PARTE 2 (pra conferir a parte 1 clica AQUI) dessa lista de filmaços dirigidos por cineastas incríveis. Além disso, também trago o link de um painel feito pela Academia Internacional de Cinema, em São Paulo, sobre as mulheres no cinema. Vale a pena conferir a discussão, é só clicar AQUI.

Vamos a lista!


Que Horas Ela Volta? (idem, 2015), de Anna Muylaert


Centrada nas interações familiares, no serviço doméstico e nas relações de poder do âmbito privado, Que Horas Ela Volta? gira em torno de três mulheres que representam muito as brasileiras, e também as desigualdades presentes em nossa sociedade.

No início, a pernambucana Val (Regina Casé) toma conta do filho pequeno de seus patrões, habitantes de um bairro nobre da cidade de São Paulo. O filme mostra uma realidade comum entre muitas por aí: mulheres nordestinas que deixam suas famílias para tentar um trabalho, como empregada doméstica, nas grandes cidades. Normalmente, são mulheres que dormem na casa de seus patrões, criando filhos que não são delas. Mas a situação muda quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), chega a cidade para se preparar para o vestibular de uma concorrida universidade pública. Sua presença no casarão dos patrões da protagonista torna tensa as relações de poder ali estruturadas.

Trata-se de um drama produzido, escrito e dirigido de forma muito competente, retratando uma ótima "tragicomédia", pois mesmo que não haja nada engraçado na vida sofrida de Val, seu jeito desengonçado atrelado a seu carisma, ganham o público desde o início. Suas frustrações e seus medos são mais representados por risos do que lágrimas. 

A obra deixa claro que seu lugar na família dos patrões é menos de afeto e mais de submissão, e que aquela empregada doméstica que se considera como “quase da família” é sempre lembrada da posição subordinada que ocupa. É “da família”, mas dorme no quartinho, não pode tomar o sorvete do filho, nunca é escutada. Que Horas Ela Volta? conseguiu trazer um debate necessário, provocando reflexão e uma autocrítica sobre os privilégios e os sutis (às vezes escancarados) efeitos da manutenção de uma sociedade desigual como a nossa.


As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless, 1995), de Amy Heckerling


Está aqui um exemplo de filme que não podemos julgar sem ter assistido. Justamente sobre isso que ele fala.

Em Beverly Hills mora uma patricinha de 15 anos chamada Cher (Alicia Silverstone), filha de um advogado muito rico. Ela vive a vida sem se preocupar com nada, passeando no shopping com suas melhores amigas, fazendo os professores aumentarem suas notas sem precisar estudar, e vivendo de futilidades. Além disso, ela é privilegiada no bairro em que vive, além de sustentar o título de garota mais popular do colégio. No entanto, a chegada do enteado de seu pai, Josh (Paul Rudd), muda tudo. O rapaz constantemente a crítica por não ter conhecimento de como é o mundo real, fazendo-a repensar em como deixar as futilidades de lado. Os dois acabam crescendo juntos, e ela acaba se apaixonando.

As Patricinhas de Beverly Hills traz a lição de que as pessoas podem mudar, principalmente se for por amor, e que não devemos julgar alguém sem realmente conhecer essa pessoa.


O Piano (The Piano, 1993), de Jane Campion 


Jane Campion (Em Carne Viva) dirigiu um dos melhores filmes dos anos 90, uma obra que vai muito além da visão feminista que lhe foi atribuída. O Piano é um filme que discute diversas questões, entre elas, uma crítica a colonização, normalmente feita dentro de uma política de opressão racial, étnica e de gênero.

Acompanhamos a história de Ada (Holly Hunter), uma mulher que aceita um estrangeiro em casamento, talvez movida pela segurança que esta união possa trazer para ela e sua filha. Junto com esta e seus pertences, Ada leva seu piano para o novo lar, mas lá o marido decide vendê-lo. Tem início então, uma proposta por parte do comprador: ela poderá tê-lo de volta, em troca de favores. Uma tecla para cada encontro, que ela astutamente limita às teclas pretas. Dessa forma, dá-se início às sessões de piano carregadas de erotismo.

A cineasta neo-zelandesa surpreendeu com sua habilidade extraordinária de dirigir atores, mas principalmente com sua técnica apurada. O Piano tem uma narrativa envolvente, que esbanja beleza e sofisticação visual em cada plano. Imagens de um piano de cauda numa praia deserta remetem a clássicos do cinema mudo. São imagens que falam por si só. 


A Mulher Sem Cabeça (La Mujer sin Cabeza, 2008), de Lucrecia Martel 


Os filmes de Lucrecia Martel (Zama) propõem o encontro do cinema de gênero com o cinema sem trama e de tênue causalidade, e em A Mulher Sem Cabeça não é diferente.

O filme começa na fatídica estrada que desencaminhará a vida da protagonista Verônica (María Onetto), com crianças brincando de correr pelo canal atrás de um cachorrinho. Quando um acidente acontece, para ela, o que se inicia é um profundo mistério. Tal angústia, originada da dúvida de não saber se atropelou um animal ou uma pessoa, abala a sanidade da personagem, a ponto de levantar questionamentos constantes sobre si mesma e sobre o que é real ou não.

A protagonista vivida por María Onetto (Relatos Selvagens) reflete uma mulher perdida, que esquece o número do seu escritório e até mesmo a sua função no trabalho, pensando ser uma paciente em seu próprio consultório, entre outras situações onde demonstra não estar consciente de si e do que acontece em sua volta. Durante toda a obra, o sentimento de culpa e de dúvida é transferido para quem assiste. A tensão é intensificada na mesma proporção da angústia sentida pela personagem.

A atenção da diretora aos detalhes enriquece a narrativa em muitos níveis. A imersão no suspense não está no texto, mas na forma, e aí a cineasta demonstra domínio de linguagem, nos conduzindo com precisão pelos caminhos que devemos percorrer no interior da cabeça ausente da protagonista, dando significado a cada silêncio e a cada impressão de que nada se passa com a perturbada Verônica.


Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006),
de Valerie Faris e Jonathan Dayton


O primeiro longa-metragem do casal Jonathan Dayton e Valerie Faris (A Guerra dos Sexos, 2017) fala sobre família, aceitação e esperança. Na trama, o peso familiar é carregado sobre os ombros de Sheryl Hoover (Toni Colllete), esposa, mãe e principal provedora da casa. Já Richard (Greg Kinnear), embora aplique suas ideias na criação de seus filhos, está frustrado por não conseguir vender seu livro para nenhuma editora. Quando a família descobre que Olive (Abigail Breslin), filha do casal, foi inesperadamente classificada para disputar o concurso de beleza Pequena Miss Sunshine, todos embarcam em uma viagem rumo a Redondo Beach, emaranhados dentro de uma simpática e velha Kombi amarela.

A fórmula do road movie é indiscutivelmente bem-sucedida ao se projetar um estudo profundo da concepção de família, tanto em seu conjunto quanto em sua individualidade. A imagem de uma mãe imponente, que tem de lidar com uma vida sobrecarregada, é transmitida muito bem por Toni Collette (Madame). O cigarro em suas mãos tem um peso, assim como os delicados confortos que a mulher dá às pessoas a sua volta. A presença da personagem é muito mais forte para seus filhos que a de Richard. Não é para menos que a opinião de Sheryl prevalece, enquanto o marido internaliza-se em sua própria frustração. 

Todavia, mesmo com tantos personagens e sub-arcos, o centro da história espelha-se de verdade na trajetória de Olive, a ingênua e adorável filha dos Hoover. Mesmo pequena, Abigail Breslin (Zumbilândia) contagia o público ao representar uma garotinha que, embora cheia de inseguranças, consegue subjugar seus medos, tão poderosos para a sua mente quanto os medos adultos. Olive encontra a chave para contornar seus temores, e ainda, contornar os maiores pesadelos de seus entes queridos. Enquanto suas concorrentes do concurso buscam conquistar público e jurados, Olive quer apenas se divertir e isto a torna campeã aos nossos olhos.

Pequena Miss Sunshine surpreende ao trazer um roteiro bem escrito, um elenco fora de série, uma trilha sonora marcante e uma direção proficiente. O casal de diretores consegue imprimir ritmo e evitar competentemente a pieguice.



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