CRÍTICA | Batman

Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig
Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Colin Farrell, Jeffrey Wright, Andy Serkis, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2022

Sendo, definitivamente, um dos heróis mais populares da história devido às várias adaptações para múltiplas mídias ao longo dos anos desde a sua criação nos quadrinhos, Batman (The Batman) vinha sendo aguardado como o grande recomeço do personagem no cinema. E mesmo que o preconceito tenha rendido muitas críticas a escolha de Robert Pattinson (O Farol) no papel principal, pode acreditar, a versão do diretor Matt Reeves (Planeta dos Macacos: A Guerra) se propõe a trazer algo novo ao espectador.

É certamente a versão mais sombria do herói já adaptada para a grande tela, fugindo dos caminhos já percorridos por Tim Burton (Dumbo), Joel Schumacher (Um Dia de Fúria), Christopher Nolan (Interestelar) e Zack Snyder (O Homem de Aço), disposto a explorar uma abordagem mais intimista, com atmosfera própria e muito próxima da realidade em que vivemos atualmente.

Os primeiros minutos do longa fazem uma introdução perfeita dessa proposta, posicionando o vigilante dentro daquela realidade através de uma narração dramática sobre seus conflitos internos e motivações, ao mesmo tempo em que mergulha na ambientação sombria de Gotham City.

Pattinson nos entrega um Bruce Wayne jovem e perturbado pelos mistérios da morte de seus pais. Após dois anos como Batman, ele é consumido por seu alter ego como uma forma de escapar dos próprios traumas, que ganham atenção muito maior do que em qualquer outra adaptação do personagem. É assim que Reeves apresenta a vingança, em uma luz vermelha melancólica em meio à submersão em mentiras.

Warner Bros Pictures

O tom sombrio dessa adaptação se destaca especialmente por seu realismo. O roteiro de Reeves e Peter Craig (Bad Boys Para Sempre) faz questão de deixar claro a divergência entre as camadas sociais de Gotham, como uma forma de compreender as motivações dos vilões e suas origens dentro da cidade. Elementos convincentes e que podem ser facilmente espelhados na realidade do mundo moderno.

Na trama, o vilão conhecido como Charada (Paul Dano), comete assassinatos contra as principais figuras públicas da cidade para chamar a atenção do herói mascarado. Trabalhando junto do comissário Gordon (Jeffrey Wright), Batman investiga a situação ao mesmo tempo em que lida com Selina Kyle (Zoë Kravitz), que tem interesse pessoal na resolução dos crimes do serial killer.

Como a sinopse deixa claro, Reeves se concentra em destacar o lado investigativo do Batman, assumindo o clima de produções noir e deixando de lado em parte a figura heroica de filmes anteriores, até pelo fato do personagem ainda não se enxergar nesse lugar. Aqui  o protagonista busca explorar o medo que suas ações transmitem nos adversários, mesmo nos mínimos detalhes, dos passos lentos ao deixar as sombras para entrar em um ambiente às lutas muito bem coreografadas.

O clima de suspense e mistério em muito lembra o cinema de David Fincher (Mank), especialmente em filmes como Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995) e Zodíaco (2007), que são claramente reverenciados.

Batman, o filme, acaba se tornando uma investigação sobre o próprio personagem título, que por mais que ele resolva os enigmas, sempre está se desafiando. Quando mais a trama avança, mais conseguimos desvendar o homem por trás da máscara, que se esconde em seus diários de missões e nas dúvidas que surgem sobre seu lema de vingança contra a corrupção de Gotham.

Warner Bros Pictures

O universo contribui para criar uma crítica política sobre as formas em que o heroísmo quer se fazer valer e as mediações sociais esquecidas. É ser a vingança sem a filantropia, enquanto programas de políticas públicas de renovação sustentam a corrupção. Bruce parece à parte de tudo isso e o suspense acerca do Charada clama pela verdade.

Tecnicamente falando a produção é impecável, especialmente no que diz respeito ao design de produção de Gotham City, que é retratada com cenários que prezam pela sujeira e o abandono, transmitindo ao espectador uma sensação incomoda de claustrofobia. A cidade é uma mistura arquitetônica entre o moderno e o clássico, pintada por um céu cinza (por vezes ensolarado) que dá vida a um ambiente hostil e de solidão, o berço do crime que a inflige diariamente. E nesse ponto a cinematografia de Greig Fraser (Duna), focada no contraste entre a pouca luz e a total escuridão, traz uma sensação de terror em quem assiste, com a expectativa de que algo saia das sombras a qualquer momento.

A trilha sonora de Michael Giacchino (Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa), por sua vez, entrega tudo para que esse novo filme se torne digno do cinema hollywoodiano clássico, entrelaçando ritmos de acordo com cada proposta cênica. Quando o protagonista é as sombras e contempla a cidade que ainda não sabe ajudar plenamente; com o tema do Charada, que diz tudo sobre o suspense assustador da investigação de um assassino em série através da música Ave Maria, e com o tema romântico entre Mulher-Gato e Batman, que parece ter saído de uma obra noir clássico.

Fechando toda essa composição temos o elenco. Felizmente Zoë Kravitz (High Fidelity) não está presente apenas para ser o par romântico do Homem-Morcego, já que também possibilita um olhar sobre as camadas mais pobres da sociedade, em que muitos acabam sucumbindo ao crime para sobreviverem. A personagem é peça fundamental para o roteiro, além de ter uma química evidente com o protagonista. Da mesma forma, Jeffrey Wright (Westworld) não só auxilia na investigação como Gordon, como também protege o vigilante, sendo um símbolo de esperança repetido por Batman por ser um bom policial. Já Paul Dano (Os Suspeitos) cumpre extremamente bem o papel de antagonista, encarnando na dose certa a loucura e genialidade de Charada.

Warner Bros Pictures

E apesar das críticas iniciais citadas no início dessa crítica, Robert Pattinson entrega um trabalho diferenciado dos que o antecederam no papel, justamente pela abordagem trazida pelo diretor, sem deixar a desejar em termos de atuação. Ao contrário do perfil maduro que Christian Bale (Batman: O Cavaleiro das Trevas), Michael Keaton (Batman: O Retorno) e Ben Affleck (Liga da Justiça) tiveram que incorporar em suas oportunidades, Pattinson vive um personagem inexperiente debaixo da capa, descobrindo como lidar com o legado que carrega como um Wayne e a importância que tem como figura pública. Trata-se de um trabalho mais intimista, entregando tudo nas cenas de ação, mas também transmitindo todas as inseguranças e temores desse complexo  personagem,  na maioria das vezes, somente com o olhar.

Alguns personagens, por outro lado, acabam não ganhando tanta atenção, como o Pinguim (Colin Farrell), que parece ter sido inserido no filme apenas para revelar o verdadeiro vilão mais tarde; e Alfred (Andy Serkis), que tem pouca função narrativa e não traz a conexão necessária com o público em sua relação com o patrão Bruce.

Com quase três horas de duração e um ritmo incomum para uma adaptação de quadrinhos, a obra percorre seu caminho sem pressa até sua conclusão e consequências, por vezes se alongando mais do que o necessário. A sensação que fica é que o longa poderia ter 20 minutos a menos, ainda que isso pudesse prejudicar levemente a visão única de Matt Reeves para o personagem, que soa resgatado em sua essência.

Emocionalmente carregado, Batman foge da zona de conforto criada pelos filmes de heróis atuais, trazendo novos ares e mostrando ao público que não é preciso seguir a mesma fórmula toda vez. A melancolia e a tragédia também são elementos que podem ser muito bem explorados na grande tela, como a própria DC já havia evidenciado com Coringa (2019). Simplesmente imperdível.

Ótimo


Comentários