CRÍTICA | Destacamento Blood

Direção: Spike Lee
Roteiro: Spike Lee, Danny Bilson, Paul De Meo e Kevin Willmott
Elenco: Delroy Lindo, Clarke Peters, Chadwick Boseman, Norm Lewis, Isiah Whitlock Jr., Jonathan Majors, Jean Reno, Mélanie Thierry, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2020


Spike Lee (Chi-Raq) é um dos diretores mais ativos em abordar temas político-sociais no cinema. Ele, que sempre lidou com a temática racial em sua carreira - com destaque óbvio para obras como Faça a Coisa Certa (1989), Malcolm X (1992) e Infiltrado na Klan (2018) - abriu portas em Hollywood para a conscientização. Em Destacamento Blood (Da 5 Bloods), produzido e distribuído pela Netflix, o cineasta faz reparação histórica de um dos conflitos mais vergonhosos da história dos Estados Unidos.

A trama conta a história de quatro veteranos afro-americanos da Guerra do Vietnã: Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e Eddie (Norm Lewis). Eles voltam ao país asiático à procura dos restos mortais de seu comandante, Stormin’ Norman (Chadwick Boseman) e de um tesouro enterrado. Com essa proposta, Spike resgata o passado para reafirmar que ele continua presente, evidenciando que as contradições de um país segregado racialmente permanecem atuais.

“Lutamos uma guerra imoral que não era nossa, por direitos que nós não tínhamos.”

A frase proferida por Paul é fruto de um roteiro que se propõe a analisar a política racial norte-americana. Como o próprio filme conta, os negros eram 11% da população do país, no entanto, as tropas enviadas ao Vietnã eram 32% compostas por soldados negros. E enquanto a guerra ocorria, personalidades como Martin Luther King Jr. lideravam movimentos protestantes em solo estadunidense.

Foto: 40 Acres & A Mule Filmworks

Além disso, Destacamente Blood também referencia - e as vezes critica e satiriza - diversos outros filmes que retratam a Guerra do Vietnã, como Rambo: Programado Para Matar (1982) e Apocalypse Now (1979). E por mais que muitas obras norte-americanas critiquem o conflito e seus efeitos, muitas delas retratam uma visão unilateral e tendenciosa dos fatos, com sua imponência e legado histórico. Paul cita em determinado momento que “houve atrocidades dos dois lados”, e isso mostra o tipo de produção que Spike Lee comanda.

Paul, Otis, Melvin e Eddie têm personalidades distintas, mas todos carregam o trauma e o fardo da guerra que lutaram, algo notável pelo TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático) e o vício em remédios, além de outros elementos. Todos os quatro são assombrados pela memória de seu líder de esquadrão, Norman, que lutou e morreu diante de seus olhos. O personagem, que só aparece em imagens de flashback, foi o elemento que os manteve vivos e unidos, passando a conhecer mais sobre sua raça e o significado de carregar a pele preta. Ele representa mais um soldado perdido no conflito, mas também a ideia de um soldado corajoso que os remetia a Malcolm X ou o já citado Dr. King.

“Vocês me deixaram doente.”

Entre os protagonistas, Paul é o mais notável, e Delroy Lindo (Malcolm X) merece indicações nas principais premiações por seu trabalho. Em seu personagem, Spike deposita o maior estudo sobre os efeitos da guerra e como ela pode enlouquecer um homem, ainda mais um de pele negra, que foi oprimido por toda vida. Ele é visto pelos amigos como o mais problemático, já que é eleitor de Donald Trump e a favor da construção do muro contra a entrada de mexicanos nos EUA, além dos problemas de relacionamento que tem como o filho, David (Jonathan Majors).

Aos poucos constatamos um estudo de personagem fascinante, com Paul enlouquecendo pelos seus traumas e pela busca incessante pelo tesouro. Tudo funciona de forma a conquistar um respeito que seu próprio país nunca lhe deu, uma inclusão que o racismo nunca permitiu. A busca pelo ouro representa mais que riqueza, é uma dívida histórica, uma redenção simbólica dos soldados negros pegando o que é deles por direito para a libertação negra.

Foto: 40 Acres & A Mule Filmworks

Tecnicamente a obra impressiona especialmente pelas locações, que fazem o espectador imergir no Vietnã, seja na guerra ou no pós-guerra. Spike apresenta um longa-metragem sufocante e visceral, apostando em uma montagem ágil e fazendo uso de imagens de arquivo que contextualizam muito do que é falado. Alguns momentos soam quase como um documentário, algo habitual em sua filmografia.

Quando foca apenas na ação de um "filme de guerra", Destacamento Blood é apenas bom, porém nada inventivo ou espetacular. Sua força está em discutir o que foi o conflito e seus impactos, e não em troca de tiros.

"A guerra não é a solução, pois só o amor pode derrotar o ódio. Você sabe que tem de achar uma maneira para trazer de volta hoje o amor aqui."

O trecho acima, retirado da canção "What´s Going On", de Marvin Gaye, é a prova de como a ótima trilha sonora dialoga com os acontecimentos que vemos em tela. São apresentadas diversas músicas de cunho político-social, algo que engrandece a obra e sua temática de modo geral.

Destacamento Blood é, portanto, um estudo visceral sobre a política racial de guerra norte-americana e suas consequências. Um exemplo da luta de soldados negros em uma guerra imoral, defendendo um país que sempre os oprimiu. Spike Lee então propõe uma reparação histórica e a reflexão sobre a importância das vidas negras. Trata de assuntos sérios sem nunca deixar seu típico bom humor de lado, tornando alguns momentos propositalmente satíricos. Um soco no estômago mais que necessário. É como disse uma vez, Malcolm X:

“Se faz 20 milhões de negros lutarem suas guerras e colherem seu algodão e nunca os recompensa, uma hora eles vão cansar de você.”

Excelente

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