CRÍTICA | A Rede Social

Direção: David Fincher
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Armie Hammer, Rooney Mara, Joseph Mazzello, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2010


Mesmo sempre envolvido em controvérsias desde sua criação pelo estudante de Harvard, Mark Zuckerberg, em 2003, não há dúvidas de que o Facebook foi um marco na internet. Não apenas por ter se tornado uma das maiores redes sociais da história, mas principalmente por ter se transformado na identidade da vida digital, mudando para sempre o comportamento e as formas de relacionamento de toda uma geração. Foi, por muito tempo, o ponto de partida para qualquer interação online, como se tivesse se tornado um mundo paralelo ao real.

Dentro do contexto de sua criação, foi publicado em 2009 o livro "Bilionários por Acaso", escrito por Bem Mezrich, contando uma versão sobre o surgimento da rede social e as brigas judiciais pelos seus direitos criativos. Em 2010, o conhecido roteirista Aaron Sorkin (Os 7 de Chicago) e o diretor David Fincher (O Curioso Caso de Benjamin Button) adaptaram o livro para o cinema, dando origem ao longa-metragem A Rede Social (The Social Network).

A história começa com o jovem e complicado estudante Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em Harvard, com um diálogo típico das produções de Sorkin - rápido e difícil de acompanhar - com sua namorada Erica Albright (Rooney Mara). Após ser insensível e condescendente com ela, o namoro termina, e, com raiva, Mark retorna a seu dormitório e resolve criar, com a ajuda dos colegas de quarto Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Dustin Moskowitz (Joseph Mazzello), um site com um catálogo de fotos das universitárias de Harvard, em que os estudantes poderiam acessar e dar notas a elas - o Facemash. Tudo isso era feito enquanto o protagonista escrevia a respeito em seu blog, detalhando seu processo para hackear o bancos de dados da universidade em busca das fotos. A grande quantidade de acessos derruba a rede de Harvard e traz consequências para o estudante.

Mark então tem contato com os gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (Armie Hammer), que dão a ideia do rapaz criar uma rede exclusiva para alunos. Após aceitar a proposta, Mark desaparece por semanas até o seu site thefacebook.com entrar no ar, o que enfurece os irmãos, especialmente pelo sucesso no número de acessos, englobando não apenas Harvard, mas diversas universidades norte-americanas.

Columbia Pictures

O que vemos em A Rede Social é o esforço de Zuckerberg em criar um mundo no qual ele pudesse ser socialmente relevante. A obra de Fincher, porém, mostra como esse esforço teve um custo. Não por acaso, a conquista de 1 bilhão de usuários no Facebook acontece em uma cena na qual, após a celebração, o protagonista aparece totalmente isolado do restante dos personagens. A tentativa de utilizar o virtual para alcançar o real se mostra um fracasso, que acaba isolando Mark ainda mais de um convívio social considerado "normal".

Fincher trabalha essa diferenciação entre o real e o virtual desde o começo do longa. Enquanto Zuckerberg cria o Facemash, a montagem alterna entre seu projeto isolado, em seu quarto no campus da universidade, com uma festa da fraternidade. Enquanto os clubes nos quais o rapaz nunca conseguiu entrar vivem suas festas rotineiras, ele acaba criando o seu próprio, esculpindo seu mundo virtual como vingança da classe que não o abraça.

A necessidade de aprovação do personagem reflete em todas as suas relações. Enquanto Zuckerberg é um sujeito extremamente preso à vida virtual, seu melhor e único amigo, Saverin transita entre os dois mundos, mas tendendo sempre a manter seus pés na realidade. “Wardo”, como é conhecido, é um cara cool, que está prestes a ser aceito em um dos mais prestigiados clubes de Harvard, algo que obviamente desperta a inveja do amigo.

Mas enquanto Wardo, sócio e co-fundador do Facebook, se esforça no mundo real para fazer a empresa crescer, Mark acaba por se aproximar da única figura do filme que, de fato, transita entre o virtual e o real com bastante facilidade: Sean Parker (Justin Timberlake), criador do polêmico Napster.

Parker fornece a Mark uma visão nova e diferente sobre a modernidade dos negócios e das possibilidades do Facebook, porém, visa apenas utilizar o virtual para ser relevante no mundo real. O personagem quer se vingar de antigos desafetos e celebrar com mulheres e drogas, com os ganhos que possam surgir. Suas atitudes, no entanto, causam desconforto e geram a quebra da relação entre Mark e Eduardo, levando-os a Justiça.

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A estrutura de A Rede Social alterna momentos do passado dos personagens com aqueles vividos no "presente" em que estão se enfrentando nos tribunais pelos direitos de criação do Facebook. Fincher, com sua capacidade técnica recorrente, recria aquele momento único na história de maneira pujante, utilizando o frio e a escuridão do inverno de Massachusetts para reforçar o isolamento social de Mark, que é amplificado por sua postura corporal e posicionamento da câmera.

Jesse Eisenberg (Zumbilândia: Atire Duas Vezes) compõe um Zuckerberg além da semelhança física. Traço marcante de suas atuações, a fala rápida e a postura de “nerd” fazem o espectador acreditar que aquele é o criador do Facebook. Sua falta de empatia e emoção ao lidar com amigos e pessoas que eram tão queridas (?) vão transformando-o, pouco a pouco, em um vilão semitrágico. Todas essas características de sua personalidade ficam claras na composição do personagem, assim como sua arrogância e falta de conhecimento e prática em lidar com a diversidade de pensamento e de pessoas.

O maior mérito de A Rede Social não é a discussão judicial sobre quem teve a ideia de criar o Facebook, ou mesmo que fim levou tudo isso. Esse tema é usado como pano de fundo para se discutirem as relações humanas em épocas em que a humanidade, e seu contato real, parece ter cada vez menos valor frente a um mundo dominado pelo mercado dos valores simbólicos, no qual é mais importante parecer do que ser. É mais importante mostrar o que está se fazendo do que realmente aproveitar o momento, alterando até o significado da experiência humana.

Fincher e Sorkin nos auxiliam não apenas a compreendermos um pouco mais da nossa época e das pessoas que nela vivem, mas também a compreendermos a nós mesmos dentro desse contexto. Talvez um pouco mais do que gostaríamos.

Se focarmos nossa atenção na cena final da obra, é interessante observar como Fincher transforma em tragédia a relação de Mark com o F5. Vemos apenas o personagem, em seu computador, tentando se aproximar de uma mulher que trabalhava no julgamento. A recusa dela é como o último prego do caixão da tragédia do personagem, que implora por qualquer conexão humana.

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Ao fim de A Rede Social, o protagonista parece compreender o peso de suas escolhas. O Zuckerberg do filme destruiu todos os seus laços reais - a namorada, o melhor amigo, a faculdade - em prol de seu projeto de criação de mundo paralelo. O que o filme deixa claro, porém, é que ninguém pode viver exclusivamente do digital. Os bilhões de perfis existentes no Facebook só existem pois, por trás deles, há pessoas reais os administrando (ao menos na maioria dos casos). A Mark, resta apenas tentar se conectar à ex-namorada por meio do mundo que ele mesmo criou, no fundo sabendo que está mais distante dela do que nunca.

Ótimo


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