CRÍTICA | Amor, Sublime Amor

Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner
Elenco: Ansel Elgort, Rachel Zegler, Ariana DeBose, David Alavarez, Rita Moreno, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2021

A obra de West Side Story não somente é, até hoje, um dos espetáculos mais célebres de toda a história da Broadway como também marcou a estreia de um dos letristas e compositores mais grandiosos de toda a indústria teatral, Stephen Sondheim. Não fosse o bastante, o filme dirigido por Jerome Robbins e Robert Wise (Jornada nas Estrelas: O Filme) é o musical mais "oscarizado" já feito, acumulando 10 vitórias na competição, para sequer começar a citar a imensidão de troféus que arrematou - ironicamente, a peça original não chegou a ganhar o Tony Award de melhor musical do seu ano.

Amor, Sublime Amor (West Side Story) é uma adaptação urbana de Romeu e Julieta que narra os conflitos raciais e sistêmicos entre dois grupos periféricos de uma Nova York em processo crescente de gentrificação. Os "Jets" são uma gangue branca de pais falidos e quebrados que encontraram uma família entre si para se proteger das mudanças do mundo ao hostilizar principalmente aqueles que simbolizam a transformação: os porto-riquenhos. Buscando a promessa do sonho americano, inúmeros porto-riquenhos vivem nas mesmas periferias, protegidos pela gangue dos "Sharks", unidos pela necessidade de defender seus iguais, tanto da polícia quanto dos brancos da periferia. O amor proibido é protagonizado pelo antigo líder dos Jets, Tony (Ansel Elgort), e Maria (Rachel Zegler), irmã do boxeador que lidera os Sharks, Bernardo (David Alvarez).

Nenhum remake tem como obrigação espelhar a grandeza de seus antecessores ou emular o que já foi feito antes, pelo contrário, muito pouco justificaria sua existência além de diretrizes corporativas financeiras querendo se beneficiar de um público já estabelecido pelo passado. Mas, quando o diretor do remake de uma obra grandiosa é Steven Spielberg (A Lista de Schindler), é difícil não pensar em termos superlativos.

20th Century Studios

Ao mesmo tempo em que pode saltar aos olhos a ideia de Spielberg dirigindo um musical, a naturalidade com que a música embala os momentos mais consagrados de sua imensa cinematografia já deveria alertar sobre seu domínio virtuoso de ritmo. Enquanto nada diminui a beleza e atualidade do filme de 1961, há tamanha reverência dele ao fenótipo de musical em sua origem que neutraliza muitos cenários, tornando-os planos e abertos o suficiente para simular um palco.

O que Spielberg faz não é apenas atualizar diversas camadas da história ou renová-las com elementos mais diretos que já existiam na peça original (como a transsexualidade de um membro dos Jets), mas também incrementar cada cena com o mais absoluto senso de profundidade e textura através de uma montagem rigorosa e muita interação com os ambientes, fazendo parecer até mais numerosos do que acabam sendo. Desde um longo traveling entre as ruínas de um bairro e seus operários até o conflito de melhores amigos em tábuas esburacadas num píer, dos grandes números que param quarteirão até a intimidade da ida de Romeu/Tony até a janela de Julieta/Maria nas escadas de incêndio. Praticamente todas as performances se beneficiam do senso de escala e imagem que o cinesta projeta com seu cinematógrafo, Janusz Kaminski (O Resgate do Soldado Ryan).

Essa participação maior dos espaços, além de elevarem as coreografias e desafiarem positivamente seus atores, também contribuem para uma contextualização muito mais palpável do conflito racial e econômico que aqueles personagens vivem, permitindo ao espectador ultrapassar qualquer projeção primária de maniqueísmo para enxergá-los como vítimas - com todos os seus defeitos - de uma urbanização hostil e insensível às "sobras humanas" de seu processo. A coreografia também é digna de nota, uma vez que é preciso uma direção extremamente firme para que a ideia de gangues se desafiando com balé não soe, no mínimo, deslocada. E o filme não deixa qualquer margem para o estranhamento, afinal a dança participa da história como um elemento importantíssimo e modo de expressar corporalmente tanta raiva, frustração, medo e paixão que os eventos evocam. Afinal, a dança tem em sua origem MUITO a ver com a luta.

Ainda que alguns diálogos soem pouco naturais para alguns atores - em específico o Tony de Ansel Elgort (Em Ritmo de Fuga), a química geral do elenco é quase inesgotável, com destaque maior para a Anita de Ariana DeBose (Hamilton). Como no filme original, Anita (na época interpretada por uma poderosa Rita Moreno, que aqui oferece sua benção na forma da firme Valentina, que seria o Doc no texto originário) é quase a alma da história, à parte do casal principal, sintetizando o conflito da resiliência dos porto-riquenhos com a saudade de casa. O que DeBose faz com a personagem, ainda mais se pensar na pressão extra de estar contracenando com a atriz que anteriormente ganhou inúmeros prêmios por esse mesmo papel, é impensável. É de um carisma e execução refinada que, por si só, valeria assistir ao longa.

20th Century Studios

O único porém é o de que, com uma direção mais natural e um contexto social mais marcado, o realismo quase fantástico do amor de 24h entre Tony e Maria não encaixa tão bem. Fundamental para as consequências da história até o fim, é difícil conceber a emoção dos dois e as escolhas que fazem. Maria optar por fugir com Tony, mesmo após ele assassinar seu irmão (vamos lá pessoal, a peça existe há mais de 50 anos), já é uma escolha pouco crível no geral, mas fica mais danificada porque o relacionamento de ambos aqui tenta ser mais convincente.

Durante uma cena no metrô, fica um princípio de debate que não se encerra, sobre as perspectivas que ambos tem do conflito entre as gangues e quem foram os primeiros instigadores. Aprofundar isso seria um caminho muito interessante, mas rapidamente é preciso voltar para eles cantarem "One Hand, One Heart", deixando lacunas que enfraquecem um pouco a tragédia derradeira. Ainda assim, a grandiosidade que é injetada em todo o restante de Amor, Sublime Amor, e por quase toda inteireza de sua duração, mais do que compensa esta fragilidade na fantasia.

Ótimo

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