CRÍTICA | Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

Direção: Sam Raimi
Roteiro: Michael Waldron
Elenco: Benedict Cumberbatch, Elizabeth Olsen, Xochitl Gomez, Benedict Wong, Rachel McAdams, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2022

“Você quebra as regras e se torna o herói. Eu faço isso e me torno a inimiga. Isso não parece justo”.

A frase da Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) resume bem a dinâmica que movimenta Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness). Até onde um herói pode ir até se tornar um vilão? É uma questão complexa apresentada pela trama do novo longa do MCU, definido por muitos como “o primeiro filme de terror da Marvel Studios”.

A direção caiu acertadamente nas mãos de Sam Raimi (Arraste-me Para o Inferno), conhecido por seu trabalho na primeira trilogia do Homem-Aranha (2002-2007) e também pelo clássico de terror Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (1981), que conduz um espetáculo visual assustador e, ao mesmo tempo, com um roteiro que discute questões profundas sobre a essência das relações humanas.

Nessa sequência de Doutor Estranho (2016), no encontro entre a magia e o multiverso, Raimi abusa do humor, do horror e da criatividade estética, como se unisse gêneros, trazendo um pouco da aventura e do horror cômico, ao mesmo tempo em que dá mais camadas ao já conhecido conceito de múltiplas realidades, já visto em produções como Homem Aranha: Sem Volta Pra Casa (2021), ou mesmo na série Loki (2021).

Na montagem frenética orquestrada pela impecável trilha sonora de Danny Elfman (Batman: O Retorno), alguns dos momentos mais marcantes são justamente os de suspense e tensão, inspirados diretamente pelo cinema de horror. Atendendo às expectativas, Sam Rami prova que é possível contornar um pouco da famigerada “fórmula Marvel” - assim como Chloé Zhao (Nomadland) fez em Eternos (2021) - através de suas marcas criativas.

Marvel Studios

O roteiro de Michael Waldron (Loki) nos apresenta a America Chavez (Xochitl Gomez), uma jovem que tem a capacidade de viajar pelo multiverso, fugindo de uma para outra realidade em busca de proteção. Na tentativa de ajudá-la, Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) vai até Wanda Maximoff, mas acaba descobrindo que há um conflito de interesses entre os dois, diretamente relacionado à garota. Por conta disso, Doutor Estranho acaba viajando pelo multiverso, ao mesmo tempo em que entra em uma jornada de autoconhecimento, compreendendo o que o motiva a afastar pessoas queridas de sua vida, como a Dra. Christine Palmer (Rachel McAdams).

Multiverso da Loucura é um filme belo visualmente, mas também no quesito dramático. As jornadas de Stephen e Wanda são cheias de dores, perdas e traumas que construíram quem eles são hoje, fazendo com que os conflitos enfrentados por ambos soem fortes o suficiente para fazer o público se conectar por completo com a jornada dos personagens.

Grande parte dessa conexão se dá não apenas pela construção de anos do MCU, mas pelo excelente trabalho do elenco. Trata-se de uma obra que exigiu muito de seus interpretes, física e psicologicamente, e Benedict Cumberbatch (O Jogo da Imitação) e Elizabeth Olsen (Terra Selvagem) entregam tudo, trazendo personagens mais amadurecidos e interpretando outras versões de si mesmos.

Wanda é, sem dúvida, uma das melhores coisas de Multiverso da Loucura. Na figura da bruxa, finalmente, Olsen transforma sua Feiticeira Escarlate em uma personagem poderosa, mas também assustadora, com sangue nos olhos e obcecada em tentar se reunir com os filhos Billy (Julian Hilliard) e Tommy (Jett Klyne). Essa mudança de chave é conduzida com maestria por Olsen, fazendo dela uma das melhores atrizes que já passaram pela Marvel Studios.

Cumberbatch, por sua vez, vive um Stephen Strange menos frio e calculista do que já conhecíamos, tendo que lidar com poder de suas escolhas, bem como suas consequências. Em um mundo pós Thanos, depois de sumir por 5 anos, ele vê Wong (Benedict Wong) assumir o posto de mago supremo e Christine se casar com outra pessoa, fazendo-o se questionar se suas escolhas o fazem feliz, mesmo sabendo que fez o certo. 

Marvel Studios

Benedict Wong (Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis) segue carismático como sempre, tendo mais participação nas cenas de ação e na própria narrativa, assim como Rachel McAdams (Desobediência), que não está ali só como interesse amoroso de Strange, mas também tem mais relevância na história e ilustra os dilemas dele na medida certa para que o público entenda a força de sua trajetória.

Mas o destaque fica por conta de Xochitl Gomez (O Clube das Babás), que vive America Chavez de forma empolgada e carismática o suficiente para encantar o público, criando uma relação com Strange que relembra a de Peter Parker com Tony Stark. A jovem atriz impressiona por uma atuação potente e é uma forte candidata a liderar as próximas fases desse universo.

E o que esperar sobre as tão aguardadas participações especiais de outros personagens? Elas existem, mas não chegam a ser exatamente o que o público esperava e, ouso dizer, soam como um fan service gratuito, já que não possuem tanta função narrativa, o que pode acabar frustrando quem espera algo mais emblemático como em Sem Volta Para Casa.

Inclusive, é necessário ressaltar que nem todos os projetos do MCU trarão grandes participações que nos fazem vibrar por todo o filme como foi nesse exemplo citado ou nos últimos dois Vingadores. Claro que, em uma escala menor, esses momentos existem e chamam atenção, mas não podemos esperar que a construção de todos os próximos longas do estúdio se resumam a isso, porque dessa forma, esses grandes momentos perdem a força e deixam de ser impactantes.

Outro ponto importante a se destacar é o fato de ser necessário assistir diversas outras produções para se entender a narrativa por completo. Já era de costume ter que acompanhar os filmes do MCU para saber como seria o encaminhamento desse universo, porém, cada obra era possível de ser entendida sozinha ou acompanhando apenas as sequências. Sabemos que os "marvetes" sempre vão assistir tudo, mas a partir do momento em que isso inclui as séries de TV, pode haver um afastando de parte do grande público. Quem não tem acesso ao Disney+, por exemplo, ou simplesmente não tem interesse em assistir, pode ficar um pouco perdido com o rumo que os personagens tomaram.

Marvel Studios

Acredito que o fato das produções da Marvel Studios serem multiplataformas deveriam ser um plus, um algo mais pra quem quer se aprofundar no universo e nas suas diversas possibilidades, como na série What If...? (2021) ou até nos próprios quadrinhos, mas se é necessário assistir todas essas obras para se ter a total compreensão de filme, isso faz com que ele não se sustente por si só. É importante que o estúdio busque um equilíbrio nas interdependências narrativas, de forma que não seja forçadamente explicativo e também não deixe lacunas mal explicadas.

Dito isso, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é uma experiência cinematográfica genuína de Sam Raimi. Um diretor que se inspira nas suas aventurescas e grotescas referências, sem deixar de apresentar uma jornada de herói profunda e emocionante que fala sobre ser grato pela vida que temos, mesmo com as dificuldades, porque não precisamos passar por elas sozinhos. Um filme memorável no quesito visual e emocional, que altera a forma como o MCU irá se apresentar daqui para frente em termos de narrativa, tendo muito a ganhar, caso continue ousando mais criativamente. Com um final em aberto e duas cenas pós-créditos, com certeza há muito conteúdo para alimentar teorias até a próxima produção.

Bom


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