CRÍTICA | Babilônia

Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva, Jean Smart, Olivia Wilde, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2022

O novo longa do Damien Chazelle (La La Land) começa com uma estrada de terra numa planície árida, em uma breve ironia sobre o que virá a seguir em suas mais de três horas de duração, jamais escondendo as ambições hiperbólicas e excessivas que arriscam emular e reverenciar autores como Paul Thomas Anderson (Licorice Pizza) e Martin Scorsese (O Lobo de Wall Street). Sua primeira hora é uma aventura orgástica com direito a toda sorte de escatologias envolvidas para nos apresentar os três pilares que protagonizam uma história de ascensões e quedas na Hollywood do início do século e diante da transição para o cinema falado. Em meio ao caos de uma festa hedonista esbarramos com o aclamado ator Jack Conrad (Brad Pitt), a ambiciosa aspirante a celebridade Nelly LaRoy (Margot Robbie) e Manny Torres (Diego Calva), um serviçal do evento igualmente faminto pelo mundo por de trás das câmeras. E apenas diante dessa primeira hora chegando é que o título do filme se apresenta, como o portal divino de uma civilização antiga.

O trabalho de reconstituição histórica do frenesi de estúdios e das filmagens épicas enche os olhos, pois não só é uma produção visual refinadíssima, como também é coordenada por um ritmo de montagem e trilha sonora que embala o conjunto todo num grande festival sensorial, no qual Chazelle já mostrou desempenhar domínio. Definitivamente as músicas do compositor Justin Hurwitz (O Primeiro Homem), parceiro habitual do diretor, encontra sua máxima execução até agora, oferecendo uma dinâmica entre o que é diegético e o que está no extracampo que sempre amplia a imersão tridimensional, enquanto seguimos a progressão dos anos de nossos protagonistas, com participações mais ou menos relevantes de um elenco interessante como Jovan Adepo (Operação Overlord), Olivia Wilde (Não Se Preocupe, Querida) e Li Jun Li (Por Que as Mulheres Matam).

Paramount Pictures

Se os aspectos técnicos de Babilônia (Babylon) são dignos de vários elogios, o mesmo não pode se dizer da sua narrativa e a condução dada para ela. O longa tenta discursivamente se vender como uma grande ode ao cinema clássico, uma história de paixão pela arte. É o que causa o primeiro vínculo entre os personagens, é a promessa da fuga para a vida mais mágica de outra pessoa por meio da tela que costura os destinos de Nelly e Manny. Mas esse amor não tem qualquer elaboração ou propósito, pois o cinema para todos aqueles personagens é um caminho escapatório, não o escape em si. É por meio de seu sucesso no mercado que eles ascendem econômica e socialmente, se tornando celebridades e podendo se desvencilhar de seus passados e construir outros com a mesma agilidade que Jack Conrad troca de esposas ou idiomas.

Conforme o filme segue, esta carta de amor vai soando cada vez menos honesta. Pior até, cada vez mais limitada, soando como um desejo do cinema pelo cinema, não de seu alcance, não de seu efeito sobre as pessoas, mas sobre seu poder, numa lógica quase parnasiana que esvazia a arte de seu poder social. Essa contradição fica mais aparente inclusive por ser trazida para a discussão em meio a um rompante do personagem de Brad Pitt (Ad Astra), quando se enfurece com sua esposa atual (Olivia Wilde) por tratar constantemente o cinema como uma arte vulgar e inferior, sendo ela mesma uma atriz de teatro.

Em sua réplica, ele a acusa de ser incapaz de entender a dimensão e o impacto de um filme na vida das pessoas comuns que vão a um nickelodeon ou vaudeville. É um debate interessante, porque o cinema não foi imediatamente compreendido enquanto arte logo que nasceu, mas é sugado pela sensação que o espectador tem de que... bem, o Jack Conrad também não sabe. Ele diz que veio de uma origem simples, mas nem remotamente isso é aparente para além dessa frase. Na maioria das vezes os personagens parecem fugir de seus passados simplórios, quase não há conexão alguma entre essas celebridades e esse público comum para além de um "pobre metafórico" usado como argumento para justificar porque uma pessoa ordinária não se importa com sofisticação intelectual. E por isso que não há problema em fazerem longas-metragens idiotas, esdrúxulos ou supérfluos. Porque não é essa a prioridade de ninguém.

Babilônia é uma história de luxos e dinâmica de poderes, como essa indústria pode devorar quem você é e cuspir fora quando perde o apetite. Não à toa, parte da trama principal é uma alusão direta a Cantando na Chuva (1952) e atores que não saem ilesos da transição entre cinema mudo e falado por problemas da própria voz. De certa maneira é uma rima cruel da obra com a própria realidade, pois produções como Babilônia, grandes investimentos de estúdio em projetos imensos e autorais, parecem estar em extinção, em detrimento de cinebiografias enfadonhas de figuras célebres, reboots infindáveis e franquias já consolidadas o bastante para valer algum investimento.

Paramount Pictures

O colapso criativo tanto apontado de Hollywood é na verdade um colapso econômico de empresários cada vez menos dispostos a riscos financeiros para acreditar em ideias novas. Enquanto seus protagonistas são reféns passivos de um tempo implacável, a obra de Chazelle também parece indefesa diante da maré. O que resta a todos é caminhar em uma pulsão de morte no último ato da obra, enquanto aceitam a dura realidade do fim, não das imagens na tela, mas de suas glórias particulares.

Mas não basta um saudosismo melancólico e referencias entupidas (e a quantidade de piscadelas ao já citado Cantando na Chuva incomoda demais pela redundância incansável) para fazer o espectador acreditar ao final de uma mixórdia de grandes cenas cada vez mais conflitantes entre si (com direito a toda uma bárbara sequência de calabouço fetichista vinda absolutamente do nada, como que para fechar um bingo de controvérsias visuais por puro capricho) que Babilônia é sobre amar o cinema.

Essa dissonância entre conteúdo e discurso nos leva para uma pavorosa conclusão que busca arrematar a trama com uma montagem celebrando os mais de 100 anos da sétima arte, já tão antiga, porém tão púbere no grande esquema das artes humanas. É uma grande chantagem emocional com o espectador, para que ele se emocione enquanto audiência com a história do cinema e, por associação, com a história de Babilônia.

Bom


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